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::VOL. 2 Pioneiro da Psicologia no Esporte, João Carvalhaes

:: VOL. 3 Betti Katzenstein, Uma Psicóloga do Século XX

:: VOL. 4 A Psicologia no Serviço Público em Campinas: Reflexos da História

:: VOL. 5 Pioneiros da Psicologia - Aniela Meyer Ginsberg

:: VOL. 6 Uma Questão de Saúde: Trajetória da Psicologia Hospitalar Em São Paulo

:: VOL. 7 Entre o Direito e a Lei: uma História da Psicologia Jurídica em São Paulo

:: VOL. 8 A Psicologia Educacional e Escolar em São Paulo

::VOL. 9 Uma História da Psicologia Organizacional e do Trabalho em São Paulo

::VOL. 10 Percursos da Psicologia Clínica em São Paulo

::VOL. 11 A Psicologia Social e o Social na Psicologia

::VOL. 12 Psicologia e Relações de Gênero e Sexualidade

::VOL. 13 Psicologia e Relações Étnico-Raciais

Artigo

A Presença da Psicologia na Saúde Pública em Campinas-História e Memórias

Autora: Marilda Castelar - Psicóloga, Mestre em Multimeios pela Unicamp e Doutoranda em Psicologia Social na PUC-SP – NEHPsi. marildacastelar@gmail.com

Palavras chaves: Produção de Vídeos, Psicologia na Saúde Pública, História da Psicologia

Introdução

O presente trabalho, visa apresentar e discutir as etapas de produção do vídeo documentário "A Psicologia no Serviço Público em Campinas – Reflexos da História"⁽¹⁾. Este vídeo faz um breve panorama dos últimos 50 anos da presença da Psicologia na cidade, ele é fruto do projeto "História da Psicologia em Campinas: pioneiros do Serviço Público"⁽²⁾. Este projeto se constituiu numa pesquisa, onde foram priorizadas as vozes de vários profissionais que iniciaram atividades de Psicologia no Serviço Público e ajudaram a construir sua história. Pretendemos comunicar este trabalho, como uma experiência de construção de trabalho em equipe e de História Oral Temática. E mostrar a Psicologia em uma época e em um local específico com o intuito de identificar a sua contribuição para a Saúde Mental, seu atual estágio de desenvolvimento e perspectivas futuras.

Neste percurso, foi privilegiado o papel da memória como um elemento facilitador na compreensão de uma história que ainda não está escrita. E a importância de gerar registros, acervos e construir documentos em diferentes suportes para futuras reflexões historiográficas que vão além dos documentos oficiais. Selecionamos trechos de depoimentos, escolhidos especialmente para a construção do vídeo, que retratam uma época e um contexto vivido por estes entrevistados.

"A Memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e nesse sentido, ela está em constante evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulneráveis a todos os usos e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações... a memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. É uma representação do passado" (NORA, 1993 p. 9).

Com as lembranças de profissionais que vivenciaram importantes momentos da Psicologia em Campinas nas últimas cinco décadas e a pesquisa histórica, foi possível construir uma versão em vídeo, sobre a presença da Psicologia em algumas instituições públicas antes da década de 1950, a repercussão do contexto político do final dos anos 60, na história dos primeiros anos do Curso de Psicologia da PUC Campinas, e na década de 1970, o processo de ingresso da Psicologia no Serviço Público, com destaque para presença do psicólogo na área da Saúde Pública, assim como suas contribuições para a saúde metal dos moradores de Campinas. Também foram apresentados dois exemplos concretos do trabalho atualmente realizado: um Centro de Referência especializado no atendimento de crianças e outro serviço que atende adultos, todos usuários dos serviços de saúde mental da rede pública de Campinas.

Os estudos sobre os princípios e os procedimentos da História Oral foram norteadores para a realização de entrevistas e para a produção de documentos que se constituíram em fontes primárias de pesquisa.

"Como pressuposto, a história oral implica a percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado. A presença do passado no presente imediato das pessoas é razão de ser da história oral. Nessa medida, a história oral não só oferece uma mudança para o conceito de história, mas, mais que isso, garante sentido social à vida de depoentes e leitores que passam a entender a seqüência histórica e sentir-se parte do contexto em que vivem." (MEIHY,1998 p.13)

Ao discutir a produção de um vídeo documentário e o uso da História Oral, neste trabalho estaremos descortinando todas as suas etapas de elaboração: a importância da constituição e integração das equipes de pesquisa, de produção e da técnica, a pesquisa histórica, o contato com os informantes, a construção de roteiros de entrevista, o uso racional dos audiovisuais, a elaboração dos roteiros de gravação e de edição, os cuidados na captação de imagens, o assessoramento dos pesquisadores fornecido à direção do vídeo, o acompanhamento das fases de edição. Participamos posteriormente do lançamento do vídeo, na presença dos entrevistados e de outros psicólogos da cidade. Abordaremos os métodos e as técnicas para a produção de vídeos documentários, informações básicas para subsidiar futuros trabalhos que envolvem o uso da linguagem audiovisual por pesquisadores diversos, transmitindo nossa experiência adquirida no Museu da Imagem e do Som de Campinas e materializada nesta produção.

"Notamos que nem sempre o audiovisual ‘atrapalha’, presença da câmera pode ser um estimulador de informações, dependendo do perfil do entrevistado. Compreendemos que os entrevistados são atores sociais, que estão narrando e interpretando as suas memórias e as do seu grupo, para também estarem inseridos na memória coletiva.(...) Nossa atuação, tomando o vídeo como instrumento principal de registro (mas não o único), parte do princípio que qualquer instrumento exercerá uma inevitável influência no processo, sejam anotações feitas pelo entrevistador, um simples gravador ou um equipamento de vídeo mais sofisticado. A consciência da ‘presença ativa’ do pesquisador e do aparato por ele utilizado no processo do registro é o ponto de partida para a concepção da metodologia de trabalho que estamos desenvolvendo. (...) Nossa experiência tem mostrado que apesar da interferência de qualquer equipamento é a ‘relação de liberdade’ do entrevistado com o tema é o que define seu maior grau de espontaneidade diante das questões colocadas. Esta relação de liberdade possui um duplo aspecto: a liberdade de lembrar, a permissão que o indivíduo se dá de recuperar suas lembranças; a liberdade de narrar, que depende da contextualização do momento da realização da entrevista." (BARÃO at all, 1998 p. 494)

Neste aspecto, consideramos importante discutir também o uso do vídeo no processo de pesquisa, resultando em vários produtos como esse documentário que apresenta uma versão da história da Psicologia em Campinas. Vale ressaltar os cuidados da utilização de meios eletrônicos como instrumento de pesquisa, suportes da História Oral. A análise deste vídeo e das primeiras produções videográficas sobre a História da Psicologia no Brasil, poderá possibilitar uma avaliação do estado da arte destas produções dentro da Psicologia no País e contribuir para o aperfeiçoamento de futuros trabalhos com estes recursos.

Método

Nosso trabalho iniciou com a elaboração do projeto e a constituição da equipe de pesquisa⁽³⁾, com o objetivo da produção de um vídeo documentário⁽⁴⁾ que apresentasse uma interpretação sobre a História da Psicologia em Campinas, valorizando as diversas visões dos agentes sociais que vivenciaram ou tiveram relação com o tema pesquisado. Com este objeto a equipe optou pelo uso da metodologia da História Oral, tendo como suporte o audiovisual.

Foi realizada uma pesquisa documental, com o objetivo de mapear as informações, identificando as instituições e acervos que possuem materiais referentes ao tema pesquisado. Isto ficou sob responsabilidade da Historiadora com a colaboração efetiva das Psicólogas. Estas se responsabilizaram pelo levantamento de outras fontes, a definição dos critérios de escolha e identificação dos possíveis entrevistados, assim como pelos os contatos da equipe de pesquisa com a Comissão de Memória do CRPSP, visando uma sintonia dos objetivos das instituições envolvidas, viabilizando contratos, suporte técnico e financeiro ao projeto.

Foi elaborado um pré-roteiro de entrevista, para orientação dos contatos prévios e das entrevistas iniciais. E na segunda fase do trabalho foram elaborados roteiros individuais de entrevista. Nesta etapa, todas as entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas, conforme os procedimentos da História Oral. Alessandro Portelli ilustra com seu texto a importância do uso da entrevista em pesquisa histórica:

"Entrevistas sempre revelam eventos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de eventos conhecidos: elas sempre lançam nova luz sobre áreas inexploradas da vida diária... Fontes orais contam-nos não apenas o que o povo fez, mas o que queria fazer, o que acreditava estar fazendo e o que agora pensa que fez." (PORTELLI,1997 p. 31)

Concluída a fase das entrevistas iniciais e das transcrições, partimos para a elaboração do pré-roteiro do vídeo⁽⁵⁾. Para esta terceira etapa do trabalho contratamos alguns profissionais especializados na produção de vídeos documentários. Vale ressaltar a importância da escolha destes profissionais e do processo de construção de uma nova equipe onde seja possível a participação dos pesquisadores nas etapas seguintes do vídeo, conforme mostra nossa experiência na equipe de pesquisa no Museu da Imagem e do Som de Campinas.

"Consideramos que o vídeo pode ser um bom suporte para obtenção do material bruto de registros de programas de História Oral. Porém, ressaltamos que a edição deste material bruto, produzindo, por exemplo, um vídeo documentário, é resultado da interpretação do pesquisador." (BARÃO at all, 1998 p. 487)

Na presente produção, estivemos efetivamente presentes em todas as etapas e passamos a compor uma nova equipe e até a desempenhar outras funções de acordo com a necessidade, como: produção, decupagem do material gravado em vídeo e roteiro de edição. Os objetivos eram compartilhados e discutidos passo a passo, concretizando a integração entre as pesquisadoras e os profissionais de multimídia.

"Esta opção consciente de participação efetiva do pesquisador em todas etapas do processo, se diferencia de trabalhos que são elaborados por pesquisadores que deixam o controle estético (captação e edição das imagens) sob a responsabilidade de terceiros, (...) há o risco de provocar profundas distorções em relação ao conteúdo, pois o teor da pesquisa não está manifesto apenas nos depoimentos registrados, mas na própria opção estética da produção do vídeo, desde a captação das imagens (ângulos, enquadramento, fotografia), como na elaboração do roteiro de edição, montagem das seqüências das imagens e sons. Por outro lado, a opção de participação efetiva do pesquisador em todo processo, exige o enfrentamento do desafio de conhecer a linguagem audiovisual, que normalmente não faz parte de sua formação acadêmica (...) O material bruto colhido na pesquisa também se constitui numa fonte primária, possibilitando outras interpretações..." (BARÃO at all, 1998 p. 489)

As entrevistas gravadas em vídeo, contaram com a presença de pelo menos uma pesquisadora, porém estrategicamente o diretor do vídeo tomava a iniciativa de realizar as perguntas, no sentido de estimular o entrevistado a retomar um assunto já abordado anteriormente. Estas gravações foram realizadas visando exclusivamente à produção do vídeo documentário, os roteiros das entrevistas foram preparadas com questões focadas, baseadas nas informações prévias que os entrevistados já haviam fornecido na primeira entrevista gravada em áudio às pesquisadoras e puderam ser bem mais sucintas.

Com o eficiente trabalho de agendamento e locação, realizado pela equipe de produção foi possível realizar vinte e quatro entrevistas em vídeo em apenas seis dias de gravação. O que economizou tempo e recursos, facilitando o trabalho de decupagem, que antecede a edição.

O trabalho posterior foi definir os blocos temáticos e traçar o fio condutor a partir do material levantado em pesquisa de campo, incluindo todas entrevistas. Paralelamente foi realizada a decupagem do material em áudio e vídeo, para elaborar o roteiro de edição.

O Roteiro de edição

Nosso objetivo era reconstituir a história através de informações descritas pelos colaboradores e ai o que tínhamos em mãos? Sessões de entrevistas com professores que haviam vivenciado o início do primeiro curso, lembraram da presença da Psicologia em décadas anteriores à de 1950. Relatos de profissionais que vivenciaram a introdução da Psicologia em instituições públicas como a Escola Industrial Bento Quirino, na década de 1950, na Escola de Cadetes no início da década de 1960, na Prefeitura de Campinas a partir da década de 1970 e no INSS, na década de 1980.

Alguns entrevistados também estavam presentes em acontecimentos na época da ditadura militar e haviam pesquisado e documentado a História do Instituto de Psicologia. Testemunharam a interferência desse momento histórico na Universidade e com relação à Psicologia. Os depoimentos são factuais e expressam emoção, demonstram como cada personagem viveu aquela história e ainda possui na memória: cenas, informações e fatos vivenciados com emoção e sensibilidade.

Logo no início é possível perceber que o roteiro foi dividido de forma temporal, obedecendo aos períodos e a ordem cronológica dos acontecimentos . Houve a preocupação de contar a história com início, meio e fim, concluindo na contemporaneidade, visando facilitar o entendimento do telespectador. A história foi dividida em três blocos distintos, que delimitaram e traçaram a trajetória da Psicologia na cidade contemplando os dois níveis de pesquisa. O primeiro se valeu das informações oficiais, algumas disponíveis em livros e manuscritos. Já o segundo priorizou relatos orais fornecidos pelos colaboradores, que se constituíram nas principais fontes da história e da memória da Psicologia em Campinas.

Uma preocupação constante foi apresentar de forma dinâmica a história e conseguir contemplar ainda que de forma superficial, todas as fases da historia da Psicologia nos últimos 50 anos, além de incluir todos entrevistados em vídeo. Também foram utilizados recursos visuais e sonoros como fotografias e músicas, assim como efeitos da ilha de edição. O roteiro buscou ser abrangente, mostrando as atividades dos profissionais desde o começo com a chegada das industrias, o surgimento das escolas profissionalizantes, as dificuldades do primeiro curso durante o regime militar, a entrada da Psicologia no Serviço Público e os exemplos bem sucedidos encontrados foram exatamente na área da saúde metal. A perspectiva era focar a construção do trabalho de profissionais nesta área e o tratamento psicológico recebido pelos usuários da saúde mental do sistema público da cidade. Evidenciando como foi possível, estas pessoas viverem em sociedade e com dignidade, divulgou o fato de existirem políticas públicas coerente sendo implementadas com sucesso, assim como, formas eficazes e mais humanas de tratar as pessoas com problemas mentais, o que infelizmente ainda é pouco difundido e adotado em outros dos estados do Brasil. Essa importante reformulação na atuação dos psicólogos deveria ser implementada nos inúmeros centros públicos.

Aspectos técnicos: roteiro, edição, recursos visuais, efeitos de ilha de edição

Roteiro

Em uma linguagem um pouco mais técnicas, resumimos aqui nossa experiência na construção do roteiro. Conforme o esquema básico de qualquer roteiro, este também foi trabalhado em 3 etapas: na primeira colocamos os personagens e os problemas que eles viverão, no nosso roteiro é o começo da Psicologia em Campinas, que começa ser necessária em função da industrialização da região, isto vai dar origem a formação do primeiro curso para formar psicólogos. Em seguida, temos o primeiro Plot Point ou ponto de virada no nosso roteiro. A crise na PUCC⁽⁶⁾ com a demissão dos professores, a partir daí temos a segunda fase do roteiro. Aonde vai se desenvolver a história e a trama de nosso personagem, a Psicologia em Campinas. Ela vai procurando se arrumar dependendo da posição política das diferentes partes em conflito, até que começa novamente a entrar no Serviço Público da cidade. E teoricamente começa a estar à disposição de toda a população. Temos então nosso segundo Plot Point, onde diversos setores do Serviço Público decidem implementar atividades usando os serviços de Psicólogos e então temos as experiências na área da saúde que nos leva a um final, onde compartilhamos da esperança de um futuro melhor. E esperamos que isso seja seguido por outros municípios, onde os funcionários públicos podem prestar serviços à população.

Imagens adicionais

Paralelamente à elaboração do roteiro de edição, verificamos a necessidade de obter mais imagens para contar a nossa história visualmente, esta foi à última etapa de trabalho de campo. A captação de outras imagens (inserts) para complementar a edição do vídeo-documentário. Procuramos fotos no acervo do MIS Campinas e no acervo da Bosch. Como estávamos com uma equipe técnica experiente, várias imagens adicionais foram realizadas nos locais das entrevistas, possibilitando construir os dois exemplos das atividades dos profissionais na Saúde Mental.

O processo de Edição

A edição foi cuidadosa, para que os depoimentos não ficassem cansativos. A história foi apresentada de forma linear. Seguiu o roteiro e buscou valorizar a contribuição da Historia Oral, com seus procedimentos de registros de entrevistas que evidenciam aspectos relevantes da História e da Memória de um tema. O que justificou a preocupação na edição do vídeo com o conteúdo. O uso o relato oral dos participantes, aliado às imagens do passado (fotos) e da própria história da cidade (descrita também em textos adicionais sobre as imagens), deixou evidente o papel da memória e da importância do seu registro contínuo para contar uma versão dessa história.

Foram utilizados na edição, recursos visuais gravados com uma segunda câmara, durante o relato dos entrevistados, que possibilitaram dar um aspecto de tempo, memória, como se fosse uma evolução. Estes recursos imagéticos como a divisão da tela em preto e branco e colorido, quando se fala de um passado mais distante, a mistura em cinza e colorido quando se fala de um passado mais próximo e o colorido puro no presente foi um recurso para chamar a atenção, principalmente quando mostramos duas pessoas simultaneamente falando do mesmo assunto.

Os efeitos de ilha de edição, foram recursos usados com a criatividade do editor enriquecer ainda mais o material, para que o assunto não se tornasse cansativo. O recurso de mostrar o rosto na metade da tela e os gestos das mãos na outra metade, possibilitou transmitir a emoção das pessoas ao falarem sobre aquele assunto. O uso de imagens em PB (preto e branco) no início de algumas falas na primeira parte da história buscou conduzir todos à época.

As imagens, as entrevistas, a arte visual, a edição, o roteiro, a trilha sonora, e os efeitos da ilha, formaram um conjunto de recursos que facilitou o entendimento do assunto e busca prender a atenção do telespectador.

Este trabalho de pesquisa e produção audiovisual, gerou um acervo de quarenta e quatro sessões de entrevistas. E esta pesquisa ainda está em curso, consideramos que o registro dos depoimentos para este vídeo documentário foi a fase da pesquisa de campo. As fontes primárias encontram-se em processo de análise. Portanto, vários aspectos podem ser colocados em discussão para enriquecer a historiografia da Psicologia em Campinas.

CAMPINAS, SAÚDE PÚBLICA E A PSICOLOGIA – um pouco da história e das memórias apresentadas no vídeo.

Estamos falando de uma cidade do interior de São Paulo, fundada em 1774. Destacou-se pelo seu desenvolvimento econômico desde os ciclos da Cana de açúcar no século XVII e do Café no século XIX.

"Em 1880, a população da cidade era equivalente à da capital. Pobreza sob controle. Isso não quer dizer que a modernidade tenha apagado a mácula da escravidão e eliminado a pobreza. Imigrantes que não conseguiram ‘fazer a América’ e descendentes de escravos não foram integrados à sociedade. Mas a pobreza foi bem administrada pela elite para evitar que os excluídos fugissem ao controle. Sob a liderança da Igreja Católica (...) a cidade monta todo um aparato filantrópico para atender todos os indivíduos pauperizados (órfãos, crianças abandonadas, mães solteiras, ex-escravos, imigrantes pobres, cegos, inválidos). Surgem: o Asilo de Órfãos da Santa Casa de Misericórdia, o Asilo de Morféticos, o Asilo de Mendigos (que depois vira o Asilo dos Inválidos e hoje é o Lar dos Velhinhos), a Hospedaria dos Imigrantes, a Vila São Vicente de Paula, o Liceu de Artes e Ofícios (hoje: Liceu Salesiano). Criou-se também uma escola agrícola". (7)

A Cidade teve sua história marcada a partir de 1889, por três surtos epidêmicos de febre amarela, que durante nove anos reduziu a população de vinte mil para cinco mil habitantes, devido às mortes e mudanças de seus moradores para outras cidades. A situação de caos, obrigou as autoridades a tomarem medidas drásticas de higiene e desenvolveu desde então um controle da saúde pública. Importantes investimentos de saneamento básico e obras de pavimentação, modificaram o aspecto da cidade em pouco tempo. Campinas pode retomar seu crescimento, em 1900 já havia recuperado sua taxa populacional. (BADARÓ,1996)

A origem da industrialização na cidade deve-se à economia cafeeira, porém a febre amarela atrasou esses investimentos e poucas fabricas se instalaram no início do século XX. Com a crise do café em 1929, houve uma migração intensiva do capital para a indústria. ⁽⁸⁾ (BADARÓ,1996)

Segundo Campos (2000), há outras versões para o pioneirismo de Campinas na Saúde Pública que também residem em sua história ligada à mesma conduta do século anterior a da ‘assepsia social’ ainda no começo do século XX:

"na década de 20, Campinas também cuidou dos pobres, dementes e alienados... sujos e maltrapilhos... fundando o Hospício de Dementes de Campinas, que mais tarde tornou-se Sanatório ‘Dr. Cândido Ferreira’ e logo em seguida a Casa de Saúde ‘Dr. Bierremback de Castro’ (...) a iniciativa uniu filantropos da cidade, a segurança pública e a saúde, onde cada qual entrou com parcela importante nessa empreitada." (CAMPOS, 2000, p. 98)

A década de 1930 é marcada pela contratação de um plano de melhoramentos urbanos coordenado por Prestes Maia. Sua primeira fase (1934/1955) envolveu trabalhos de concepção, início das desapropriações, as primeiras transformações na área central da cidade e uma expansão industrial ainda restrita pela insuficiência de bens de produção. Na segunda fase (1956/1962), houve uma aceleração das desapropriações, demolições⁽⁹⁾ e obras na área central. (BADARÓ,1996)

Havia investimentos em todas as áreas básicas, principalmente em Saúde e educação. Em relação às práticas da psicologia na época elas se destacavam no campo da educação. Em 1933, a Escola Normal de Campinas, já tinha em seu currículo a disciplina de Psicologia Geral⁽¹⁰⁾. A presença da Psicologia na Educação foi mencionada por uma de nossas entrevistadas:

"Aqui havia uma Escola Normal, com um trabalho muito grande, intenso na área de Psicologia Educacional, liderado por uma pessoa que é considerada um dos pioneiros da Psicologia no Brasil, embora esteja pouco trabalhado, que era o professor Norberto de Souza Pinto, e acabou criando os primeiros centros de atenção à criança com necessidades especiais, já havia umas propostas, muito pioneiras pra época no Cândido Ferreira."  (11)

A maioria das mudanças está associada à expansão industrial que se intensificou, após a década de 1950, com a entrada do capital estrangeiro, via as multinacionais, que direcionavam seus investimentos aos bens de produção (indústria pesada) importou-se tecnologia e formas de procedimentos. Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra e seu alinhamento com os Estados Unidos. O capital americano, passa ser a principal fonte geradora da industrialização do país. Os métodos e técnicas de trabalhos desenvolvidos pêlos americanos passam a ser adotados nas indústrias que se instalam no Brasil e em Campinas.

Para acompanhar os novos tempos, a cidade amplia a rede pública de ensino básico e dá maior apoio à formação de mão de obra com as escolas profissionalizantes. Temos então a chegada na cidade de novos profissionais e as notícias das atividades de Psicologia Educacional em escolas profissionalizantes, que mais tarde vão servir de apoio à entrada da Psicologia Organizacional e do Trabalho nas empresas da região e nos órgãos públicos.

"Eu não conhecia, eu já tinha vindo aqui mas não podia dizer que conhecia Campinas... era muito mais do que eu podia imaginar, quando eu tomei posse, o professor Osvaldo de Barros disse: ‘Meus parabéns por ter escolhido Campinas, é uma cidade que está crescendo muito e vai precisar muito, nossa escola naquela região vai ter muito mais o que fazer, e de fato isso aconteceu mesmo...."  (12)

As indústrias que passam a se instalar na cidade recebem toda a colaboração governamental no tocante a infra-estrutura para sua operação. Neste contexto temos o Colégio Industrial Bento Quirino, formando mão de obra qualificada para a indústria, a melhoria das condições de transporte rodoviário com a Rodovia Anhanguera, a instalação do Aeroporto de Viracopos, etc.

Ainda considerando a primeira fase de ingresso da Psicologia nos Serviços Públicos, temos profissionais que vieram para Campinas trabalhar com a tecnologia dos testes psicológicos e Orientação Profissional, no início da década de 1960 na Escola de Cadetes do Exército.

"O Exército então abriu, em todas as Escolas Militares, Academia Militar, Colégio Militar, Escolas Preparatórias, ele criou o serviço de Psicologia, cuja finalidade era, selecionar, aplicar testes de seleção, etc., e também orientar o aluno dentro da escola, com os problemas que ele tem, que o adolescente tem, então nós éramos um espaço que o adolescente podia se abrir (...) Então toda escola militar tinha uma sessão psicotécnica que fazia seleção de alunos, etc., e orientação profissional; e eu fiz esse curso no Rio, e escolhi Campinas, a Escola de Cadetes, eu instalei aqui na sessão psicotécnica um serviço de orientação."  (13)

Com a Regulamentação da Profissão, em 1961, estes profissionais puderam ter seu registro de Psicólogo e houve a instalação do primeiro curso de Psicologia da cidade em 1964. ⁽¹⁴⁾

Curso de Psicologia em Campinas sofreu o reflexo deste período histórico, forçando professores e alunos a lutarem para a manutenção de seu processo de construção. O primeiro diretor do Instituto Superior de Psicologia retrata este momento político quando recorda e interpreta os acontecimentos vivenciados na Universidade no fim da década de 1960.

"Quando o Monsenhor Salim morreu em 1968, ele foi substituído pelo Benedito José Barreto Fonseca, que segundo consta era agente do SNI, que foi quem me denunciou como comunista, por setores militares aí, razão que me fez me afastar do ensino. Porque naquela época, era absolutamente inviável alguém com esta pecha poder lecionar em qualquer universidade, eu seria caçado pelo Brasil inteiro, porque eu estaria divulgando idéias contra o governo (...) Não se podia pensar livremente no Brasil, naquela época; se você emitisse uma opinião que divergisse da orientação ideológica do governo, você era comunista e era perseguido"  (15)

A crise, provocada pelo fechamento dos canais de participação e pela demissão desse professor, culminou com a saída (demissão) de 49 professores da Faculdade de Filosofia, onde se encontrava na época o curso de Psicologia da PUC Campinas. Neste ponto vale ressaltar que houveram dificuldades para registrar as diversas versões deste momento histórico, pois existiram entrevistados que se negaram a fornecer seu depoimento, o que mostrou que o assunto ainda é polemico. Para este vídeo, o importante foi constatar que esta mudança radical, provocou modificações na filosofia do ensino que passou a ser implementada. O que mais tarde pode ter interferido diretamente na formação e contribuição dos profissionais ao ingressarem no serviço público na década de 1970. O depoimento de uma entrevistada que ingressou no curso após a crise revela sua percepção do ensino no período:

"Minha turma pegou uma fase, com professores militares, em quem a gente absolutamente não confiava e, acredito que todo o perfil do ensino da PUC nesse período tenha sido fruto, dessa, fase política mesmo, do auge da ditadura."  (16)

Com a entrada do capital estrangeiro na cidade na época do milagre brasileiro, as empresas passam a demandar do mercado profissionais da área de Psicologia que atuem utilizando os mesmos métodos e técnicas utilizadas por suas matrizes no exterior. Neste momento do vídeo, as vozes de nossos entrevistados vão se contrapondo e mostrando os diversos olhares para um mesmo período e aspecto da história:

"Em 1971, eu comecei trabalhar na Universidade, porque a Universidade estava desenvolvendo (...) um projeto da área de Psicologia aplicada ao trabalho Campinas era, como ainda é, um pólo de desenvolvimento industrial, e a Psicologia não havia ainda penetrado nessas organizações como devia."  (17)

"...era uma época, um outro tipo de Brasil que a gente tinha, tudo crescendo, nesta época Petrobrás estava se instalando, todo o Parque Industrial de Paulínia, uma série de indústrias na região, então, era uma área muito solicitada."  (18)

"Na Psicologia das organizações nem se fala, porque aí, nessa década inclusive, era o ‘boom’ de algumas técnicas, de alguns métodos de trabalho, visando o crescimento da empresa, a época de se falar da pessoa certa no lugar certo, tinham alguns métodos que ideologicamente estavam absolutamente comprometidos com toda idéia do milagre econômico."  (19)

"Nós tínhamos noção de que a pressão, o crescimento era muito grande, mas nem toda experiência pra avaliar os impactos sociais que viriam depois."  (20)

A esta altura, como está a psicologia no serviço público e na saúde pública?

"O grande pontapé na saúde pública de você prestar serviços à comunidade, não vem do curso exatamente da PUCC,(...) ele é mais originário da Prefeitura, do Serviço Público mesmo."  (21)

Foi neste período que o município se preocupou mais intensamente em implantar a Atenção Primária à Saúde, se destacando como um modelo de organização de serviços públicos no país, desde 1976. Foram implantados Postos de Saúde, ampliado o quadro de funcionários da saúde com auxiliares de saúde, médicos generalistas, estagiários das faculdades de medicina da PUCC e Unicamp e os serviços de Saúde Mental passaram a ser prestados por: psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras. Em 1978, haviam 16 Postos de Saúde e um Ambulatório Municipal de Saúde Mental. (CAMPOS, 2000).

Alguns depoimentos fornecidos por nossos entrevistados, ilustram como os profissionais de psicologia atuaram inicialmente ao ingressarem na saúde pública:

"E fomos ao Centro de Saúde inicialmente pra, até saber e descobrir o que fazer, como trabalhar, porque nós não tínhamos modelo de atuação naquela época."  (22)

"Nesse período, o trabalho do psicólogo dentro da Saúde Pública, ...era conduzido pelas pessoas que dirigiam a demanda, (...) no caso os psiquiatras, como já tinham uma história maior dentro do Serviço, normalmente atendiam os adultos e ficava, as psicólogas ficavam por conta das crianças (...) e uma demanda das escolas, com aquela expectativa de que o psicólogo então fizesse uma avaliação e trabalhasse com essas crianças com problemas de aprendizagem."  (23)

Em 1980, o Ambulatório de Saúde Mental do Estado, foi inaugurado como parte de um programa de ampliação da rede ambulatorial do governo do Estado. Logo depois, começaram a funcionar as enfermarias psiquiátricas dos Hospitais Universitários da PUCC e da Unicamp. Em 1986, a Unidade Psiquiátrica de Urgência, também no Hospital da PUCC. (Campos, 2000). Este momento repercutiu também na mudança da atuação da Psicologia na Saúde Pública, conforme foi relatado no depoimento de uma de nossas entrevistadas:

"O marco eu acredito que foi nos anos 80, (...) deixar de fazer uma Clínica dentro do Centro de Saúde, pra ter uma inserção mesmo mais social, mais histórica, mais cultural dentro da cidade. Então ao invés daquele espaço de consultório, começou a se trabalhar com a escola, começou a se pesquisar recursos da região que pudessem estar auxiliando, formando parcerias pra gente, então a saúde começou a se ampliar. (...) a partir do curso de Saúde Pública, eu acho que houve então uma ampliação, não só da área mesmo, do trabalho, também começou uma maior articulação com os sanitaristas, com o pessoal da Saúde Pública e o nosso trabalho começou a ser um pouco mais integrado, porque até então ficava a Saúde Mental num ‘quartinho dos fundos,’ assim como uma coisa, embora dentro do Centro de Saúde, mais ainda com muito pouco, pouca interlocução com o pessoal da Saúde."  (24)

O último momento de mudança mais radical neste processo, foi implantação efetiva do SUS e a municipalização da saúde, que ocorreu a partir da década de 1990. Isto possibilitou grandes avanços na Saúde Pública local. Para exemplificar optamos contar no vídeo duas experiências bem sucedidas, a do Serviço de Saúde Cândido Ferreira e a do CEVI.

"1990, logo no início da década de 90, tem uma co-gestão entre a Prefeitura e o Cândido Ferreira que era um sanatório filantrópico, mas que com a co-gestão passava a ser gerenciado não só pela Prefeitura mas (também pelas) Universidades, fizemos todo um trabalho de conselho diretor, colegiado que juntava o que tinha em Campinas de Saúde Mental, e a proposta era realmente ele ser uma vitrine da reforma psiquiátrica possível com reinserção das pessoas e a possibilidade de envolver um trabalho...."  (25)

"E em alguns Centros de Saúde tem a equipe de saúde mental, então têm psicólogos, tem terapeutas ocupacionais e psiquiatras. O CEVI é um serviço de referência, é um serviço que dá atendimento a toda cidade, é o único serviço de criança que dá esse atendimento. Então nós atendemos os casos encaminhados do Centro de Saúde e do serviço de especialidades: neurologia, algumas instituições, a APAE, a ARACAMP, encaminham casos pra gente."  (26)

Concluímos a edição de nosso trabalho compartilhando da esperança dos profissionais que nos auxiliaram na construção deste vídeo documentário, fornecendo seus depoimentos e informações para a ampliação da divulgação destes trabalhos. Que como eles mesmo definiram, ainda está em construção. Esta esperança e envolvimento estão expressa na última fala de Florianita que usamos para fechar o vídeo.

"Então assim a minha, vamos dizer, quase o meu sonho aí é que a gente não tenha mais loucos em hospícios. Que a gente não tenha mais hospícios nessa cidade. Que a gente possa cuidar das pessoas, (...) consiga ter essa força, essa segurança de trabalhar com as pessoas em liberdade. A grande humanização da saúde mental é gente virar gente, ficar fora. Humanizar não é humanizar o hospital, mas as pessoas poderem conviver socialmente.(...) é não ter a criança abandonada, jogada e a gente conseguir que as famílias, isso é uma parte da saúde mental importante, que a gente consiga restabelecer os convívios, as relações entre as pessoas, que a gente não psiquiatrize, psicologize, essas relações... que você não adoeça as coisas normais da vida..."  (27)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando nos propusemos a realizar um documentário em vídeo sobre a História da Psicologia em Campinas e no Serviço Público, tínhamos bem claro que este era um meio de apresentar ao público uma versão, uma pequena parte da pesquisa ainda em andamento. Assim sendo era fundamental que a partir do material já coletado, pudéssemos elaborar um roteiro que apresentasse a um público geral, do qual podem fazer parte: profissionais de psicologia, alunos, usuários da saúde pública e outros. Por isso, este documentário pode servir para estimular os telespectadores conhecedores da História da Psicologia na cidade a fornecerem mais dados e contribuírem para ampliar o trabalho historiográfico que se inicia.

É fundamental que um documentário como este, passe os principais pontos que a pesquisa aborda e que consiga se comunicar com seu público alvo, usando uma linguagem criativa e compreensível. Nossa opção em produzir este vídeo com profissionais gabaritados, dentro de suas áreas específicas, foi garantir que tanto tecnicamente, quanto em seu conteúdo a mensagem pudesse atingir o maior número de pessoas possível para o qual este trabalho foi destinado.

Destacamos a importância dos profissionais de Psicologia conhecerem o percurso da atuação da Psicologia na área pública; fato recente e pouco difundido; contribuindo para construção de sua identidade, ampliando seu campo de atuação profissional, refletindo sobre sua responsabilidade social. Estamos preocupados em produzir conhecimento histórico e compreender a Psicologia como uma construção do profissional na sua relação com a sociedade. Conseqüentemente a comunidade compreenderá a importância da Psicologia na saúde pública, usufruindo mais desse tipo de atendimento, o que contribui para a elevação da qualidade de vida da população.

Buscamos com este trabalho ampliar a discussão sobre a importância do uso da linguagem audiovisual para a História da Psicologia no Brasil. Para que mais documentários sejam produzidos e possam se transformar cada vez mais em eficazes meios de comunicação, para a divulgação de pesquisas cientificas, tornando-as mais próximas de estudantes e da população.

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Site : http://www.cosmo.com.br/cidades/campinas/area/caract_cps.shtm#hist consulta em 01/072003