Artigo
Percurso profissional da Profª Drª Maria Margarida Moreira
Jorge de Carvalho: diário de bordo
de Laurentiis, V. R.*
Dantas, A. M **
Esse artigo inaugura uma série, dentro do Projeto
Memória da Psicologia do CRP/SP, que pretende, através do relato dos pioneiros,
remontar parte da história da psicologia em São Paulo(1).
Escolhemos a pioneira Maria Margarida Moreira Jorge de Carvalho que participou
da fundação do primeiro curso de psicologia oficializado no Brasil, criou uma
metodologia de Orientação Profissional e inovou nas áreas da Arte Terapia e
Psico-Oncologia. Pesquisamos seu percurso profissional e convidamos o Prof.
Dr. Sérgio Vieira Bettarello para realizar uma entrevista em áudio e outra em
vídeo. A transcrição integral da entrevista em vídeo está no site do CRP; o
vídeo da entrevista foi roteirizado e editado pelo Prof. L.D. Edson Passetti
para uma versão final de 45 minutos.
Pesquisar a trajetória de Magui(2) foi para nós uma aventura. Selecionamos, nesse artigo, trechos das entrevistas
para não perder o colorido do relato falado e a vivacidade de seu percurso profissional
(em suas palavras: "Sou como um peixe que não resiste a uma isca luminosa que
desperte a minha curiosidade. No mínimo vou persegui-la"(3)).
Situamos seus movimentos dentro do cenário de uma psicologia
em desenvolvimento. Como o período percorrido é longo, buscamos fragmentos de
eventos que marcaram época, recolocando seus feitos em diferentes atmosferas
e momentos históricos.
Montando o cenário: os anos 30. |
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A revolução de 30, segundo a historiadora da psicologia
Mitsuko A. M. Antunes "... constituiu-se num marco da sociedade brasileira ...
a vitória desse movimento ... excluiu, de certa maneira, as camadas populares,
tendo sido conduzida por representantes das camadas médias, como intelectuais
e militares, e por setores da classe dominante, sobretudo pela burguesia industrial
emergente, da qual também faziam parte elementos que acumularam capital com
a produção de café. Em última instância, pode-se dizer que esse novo momento
histórico esteve pautado pelo objetivo de implementar o processo de industrialização
no Brasil, com vistas à substituição de importações. Era, pois, uma nova sociedade
que se queria construir, calcada no ideário liberal, sendo necessário para esse
empreendimento a construção de um 'homem novo'; é nesse contexto que novos conhecimentos
e práticas se faziam necessárias, tendo sido a educação um de seus principais
instrumentos e a Psicologia uma das principais ciências de base para essa realização"(4)
Em 1932(5),
Magui nasce em São Paulo. Filha única, protegida pelo avô, um homem empreendedor
que mantém o nível econômico de sua família numa época de crise.
A Universidade de São Paulo foi fundada em 1934. A Psicologia surgiu como uma
cadeira no Curso de Filosofia, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
(FFCL). Essa faculdade foi fortemente impulsionada por intelectuais da assim
chamada missão francesa: estudiosos que se interessaram pelo Brasil e para cá
vieram. Segundo a Profª Drª Annita de Castilho e Marcondes Cabral, idealizadora
do primeiro curso autônomo de psicologia no Brasil, os professores da missão
francesa dedicaram-se à Faculdade de Filosofia com ardor religioso(6).
Os dois primeiros chefes da cadeira de psicologia foram Etienne Borne e Jean
Maugüé(7).
Em seguida, vieram Otto Klineberg, americano, e, finalmente, a brasileira Annita
Cabral.
Na casa de Magui, na Av. Angélica, os valores da
família são bem exemplificados no empenho de sua mãe para que sua filha não
entrasse na cozinha: "não ficava bem para uma
moça cheirar a cebola e a alho"(8).
Ela aprende francês e inglês, viaja para o exterior, pratica e se entusiasma
com o Ballet Clássico, no Teatro Municipal. Aprende outras tantas atividades
artísticas mas, além da dança, gostava mesmo era de pintar, fazer cerâmica e
escrever. Uma infância e adolescência feliz, que culmina numa fogueira na porta
do Colégio Batista Brasileiro feita com todos os livros e cadernos da escola,
para horror do Pastor Enéas e da Diretora Fanny: não queria estudar mais, "queria namorar, passear, queria brincar". A mãe aceita que ela pare
de estudar com a condição de que fossem para a Europa, "conhecer
um pouco de cultura, de civilização".
"Eu era uma menininha fútil, alegre, uma menininha normal de classe média de
São Paulo de 1948 que não tinha nada na cabeça além de festa, namorado e roupa.
"Aí então chego eu, lá na França, e entro em choque com aquela civilização,
com aquelas pessoas... Aquilo mexeu comigo, assim,...eu descobri a desgraça,
descobri a tristeza, descobri a morte, a política ...
"Fiquei estudando história da arte, decoração...
"Me sentia burra, ignorante....superficial, sabia francês, falava bem, mas não
entendia o que eles estavam falando..."
"Como um dos personagens do Sartre..." ( entrevistador)(9)
"Eu conheci o Sartre...
"Era terrível para mim, eu não sabia do que ele estava falando, não sabia o
que era uma crise existencial..."
"Você estava vivendo uma...". ( entrevistador)
"Estava vivendo uma, mas não sabia que era aquilo, ... músicas que eu nunca
tinha ouvido falar, eles falavam de pintores(10)
que eu nunca tinha ouvido falar, de problemas de guerra que eu nunca tinha ouvido
falar, problemas de fome que eu nunca tinha ouvido falar, ... era um mundo absolutamente
desconhecido, fascinante, amedrontador, mas que me pegou, assim, em cheio...
"Daí entrei de cabeça, para estudar, trabalhar e nunca mais parei na vida..."
"O barquinho vai e a tardinha cai..." |
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De volta ao Brasil Magui retoma os estudos e descobre
Descartes, através do então professor de filosofia do colegial do Mackenzie
Dante Moreira Leite. A partir da leitura, decide que quer estudar filosofia
para "aprender a pensar". Estuda muito para
o vestibular. Achava que não ia entrar, pois "ainda
estava com a menina tonta na cabeça". Consegue o primeiro lugar na FFCL-USP,
e esse se torna o "primeiro marco de recuperação
de auto-estima", passando a ser reconhecida como "a
menina inteligente".
Magui cursa filosofia na efervescente FFCL da década
de 50.
Bento Prado Jr.(11),
que também estudou lá na mesma época, descreve: "O caldo cultural de então combinava
modernismo literário e esquerdismo com certa irresponsabilidade, mas com muita
vitalidade. Num artigo que escrevi sobre isso, disse que éramos socialistas,
sim, mas com Proust e Kafka. O existencialismo tornou-se o melhor instrumento
para substituir o marxismo doutrinário. Fornecia um esquerdismo ideológico mais
livre, mais próximo da realidade(12)."
O Brasil fervilhava também em outras áreas. Mário Pedrosa
prefacia o catálogo da exposição do Grupo Frente(13),
no MAM do Rio, em 1955: "A arte para eles não é atividade de parasitas nem está
a serviço de ociosos ricos, ou de causas políticas ou de estado paternalista.
Atividade autônoma e vital, ela visa a altíssima missão social, qual a de dar
estilo à época e transformar os homens, educando-os a exercer os sentidos com
plenitude e a modelar suas próprias emoções(14)."
João Gilberto declara, saudoso: "Havia Juscelino.
Havia a bossa nova, que estava tomando o mundo. Havia uma porção de coisas acontecendo
no Brasil. Ainda não existia um povo consciente de si mesmo, mas havia indivíduos:
havia um povo em formação(15)."
Na história da Psicologia e de Magui essa também
é uma década fundamental. Em 1953, Annita de Castilho e Marcondes Cabral elabora
proposta, encaminhada à Congregação da Faculdade de Filosofia, para criação
do Curso de Psicologia como curso autônomo e independente da Filosofia na Universidade
de São Paulo. Annita foi a grande idealizadora, e quem enfrentou as batalhas
que tornaram possível o curso autônomo de Psicologia na FFCL-USP. Ela escolhia
a dedo seus alunos para serem seus assistentes e distribuía-lhes tarefas(16).
Um pouco mais sobre Annita: graduada em Filosofia, estudou
Psicologia com o psicólogo e filósofo já citado Jean Maugüé; Psicologia Social
com os sociólogos Paul Arbousse-Bastide e Claude Lévi-Strauss (da missão francesa);
nos Estados Unidos com os gestaltistas do Smith College K. Koffka e F. Heider;
com o experimentalista J.J.Gibson, na New School for Social Research; com psicólogos
de orientações diversas como Max Wertheimer, Ernst Kris, entre outros. Sonha
com uma resultante brasileira da Psicologia européia e norte americana, onde
cada professor pudesse dar sua contribuição, mas mantendo a coesão de um curso
integrado e aplicado à realidade brasileira.
Exemplos desse projeto maior de Annita: sugere que
Dante Moreira Leite estude, entre outros temas, o caráter brasileiro(17),
o que resulta em sua tese de doutorado e um livro clássico; à Magui(18) pede, de início, que estudasse a debilidade mental.
Mudando de lado: de aluna a professora. |
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Magui se forma em 1955, sendo convidada pela Drª Annita
para ser sua assistente na cadeira de Psicologia, no curso de Filosofia, onde
ela passa a dar aulas: "Eu era uma menininha lá
na frente, eu tinha 23 anos, eu parecia muito criança, era miudinha, magrinha,
parecia menos... dando aula para aquela gente...muito mais velha do que eu..,
então foi muito tenso, aí outra vez estudei feito louca..."
Integra a comissão de professores assistentes de Annita
Cabral que ajudavam no projeto de um curso de Psicologia autônomo. "O
Dante Moreira Leite, ela fazia ir até o Rio de Janeiro... para falar com deputados.
Eu, ela me pôs analisando currículos do mundo inteiro para montar o primeiro
currículo. Carolina (Bóri) fazia visitas nas Universidades americanas pra trazer
material... Foi um processo difícil, a Faculdade não aceitava muito bem... tinha
que ser parte das Ciências Humanas, da Filosofia, mas não teria status algum,
a Psicologia, de ser um curso sozinho, que não tinha o menor sentido..." diziam
os professores nas reuniões da Congregação.
O curso de Psicologia é aprovado em 1957. A primeira
turma se inicia em 1958 com duração de três anos destinados à formação em licenciatura
e bacharelado. Magui leciona várias matérias nesse curso, como Psicologia Diferencial(19),
os testes, e Psicologia Social. "O início de
curso... foi uma loucura... pioneirismo... (Annita) estava dirigindo tudo, resolvendo
tudo, organizando tudo... Cada ano era um desafio novo, quem dá o que, matérias
novas, matérias que a gente também não tinha estudado, ...tinha que estudar,
tinha que sair, viajar pra aprender, ... foram tempos heróicos."
Orientação Profissional, um longo percurso. |
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Em 1960, Magui é estimulada por Annita Cabral para elaborar
um Serviço de Psicologia Aplicada ao Trabalho que funcionasse em anexo ao curso
de Psicologia da USP. Na re-estruturação do curso de Psicologia, em 1962, é
incluído o quinto ano com os estágios supervisionados, isto é, um curso profissionalizante.
A matéria Seleção e Orientação Profissional passa a ser obrigatória e anual.
Magui começa a pesquisar o que se fazia em serviços públicos e particulares.
Conhece, então, um dos pioneiros no campo da Psicologia ligada ao Trabalho e
à Orientação, Oswaldo de Barros Santos, que a ajuda, permitindo que freqüentasse
o SENAC e o SENAI, a estudar o que já existia. Decepcionada com o fato de que
nessa época a Orientação Profissional resumia-se a testes de aptidão, introduz
(como a primeira professora dessa matéria e com a primeira turma que chega ao
quinto ano) um projeto experimental, teórico e vivencial. Com o consentimento
deles, trabalha com as próprias questões dos alunos relativas à escolha profissional.
Eles buscavam, no grupo conhecer-se melhor, saber do que gostavam, e também
obter informações sobre a profissão. Procuravam saber se as duas vertentes -
o que gostavam e o que podiam fazer - se casavam. Dessa experiência continuada,
Magui cria uma metodologia própria de trabalho, em pequenos grupos, a Orientação
Profissional em Dinâmica de Grupo, título de sua futura tese de doutorado,
orientada pelo Prof. Dr. Arrigo Leonardo Angelini.
Enfim, reconhecidos! |
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Junto com Annita Cabral havia todo um grupo: Mathilde
Neder, Arrigo Angelini, Noemi Silveira Rudolfer - da Pedagogia -, que fazia
pressão no ministério para que fosse regulamentada a profissão. "A
lei também foi uma briga terrível, terrível... assim como foi uma briga conseguir
o curso, foi uma segunda briga muito grande....Tinha lobby de médicos, dizendo
que isso era um absurdo, porque eles viam inclusive também uma ameaça, ali,
de mercado de trabalho... Aí, tinham lobbies econômicos... Tratamento é médico,
e aconselhamento ficou com os psicólogos... então eles fizeram lá conchavos
políticos, fizeram arranjos e conseguiram fazer com que a lei fosse aprovada
"(20).
O reconhecimento oficial da profissão de psicólogo, no
Brasil, através da Lei Federal n° 4.119, ocorre em 27 de agosto de 1962, e junto
a imposição do Currículo Mínimo Federal. O decreto n° 53.464, só em 21/01/64,
regulamenta a Lei n 4.119/62.
Um minuto de silêncio. |
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"Começou em 64 e foi até
setenta e pouco. Foi uma grande temporada de muita revolução, a coisa política,
era estudante desaparecendo, morrendo, ... Eu mesma tive experiências pessoais
muito difíceis, de entrar na classe e uma aluna não estava, e ninguém saber
onde tinha ido parar... Uma assistente minha, que eu tinha convidado para trabalhar
comigo, era Yara Iavelberg... minha assistente de Orientação Profissional, e
ela estava na minha casa... ('era namorada do Lamarca' - entrevistador)
Nós estávamos no começo do ano preparando o curso
de Orientacão Profissional... ela saiu da minha casa mais ou menos à meia-noite,
com uma porção de livros... e aí, foi a noite que ela desapareceu. Ela foi pra
casa dela e avisaram que iam prendê-la e ela foi embora de São Paulo. E aí depois
de um tempo me chamaram no DOPS para explicar porque meus livros estavam alí...
depois você teve notícias (entrevistador)...
que ela morreu na Bahia... Então foi muito difícil, de vez em quando tinha uma
pessoa na sala assistindo aula, para ver como a gente dava aula, pessoa que
a gente não sabia quem era... foi muito doído, ... nós vivíamos o tempo inteiro
muito ameaçados, muita gente torturada... foi terrível".
Magui descobre no curso de Hanna Yaxa Kwiatkowska,
de 1968, que a arte pode ser utilizada como linguagem terapêutica. Havia pesquisado
o tema do uso da figura humana como forma de diagnóstico da inteligência e da
personalidade num curso de especialização em 1957. "Agora estava começando a
pensar a arte com um significado novo, o qual possibilitava uma ajuda a mim
e aos outros, na busca da harmonia da personalidade, da expressão da criatividade,
da realização do potencial humano de pensar, sentir, agir ."(23)
Desde o século XIX a arte fascina os estudiosos da psique.
Freud se interessa em desvendar o porquê da experiência de emoções poderosas
frente a determinadas obras. Intriga-o não poder determinar as intenções do
artista do mesmo modo que acreditava compreender outros fatos da vida psíquica.
Investiga vidas de Leonardo da Vinci, Goethe e analisa obras como Moisés, de
Michelângelo, à luz da psicanálise nascente. Reconhece a função catártica das
imagens e observa que estas escapam da censura, mais do que as palavras. Jung,
entretanto, é quem concebe a criatividade como uma função psíquica estruturante,
e não substitutiva, e utiliza, em consultório, técnicas expressivas baseadas
na metodologia da Imaginação Ativa, criada por ele.
Na psiquiatria o interesse pela arte também é forte:
no século XIX e início do XX, Max Simon e Lombroso classificam patologias a
partir de pinturas de doentes mentais; Mohr relaciona histórias de vida e desenhos,
inspirando autores de testes psicológicos (Rorschah e TAT, p.ex.). Júlio Dantas,
Fursac, Ferri (discípulo de Lombroso), Charcot e Richet ampliam conhecimentos
na área estudando a expressão artística dos doentes mentais. Prinzhorn compara
trabalhos de doentes mentais com as escolas artísticas (expressionismo, surrealismo,
etc.). No Brasil, em 1923, Osório César(24),
psiquiatra, introduz o fazer artístico com internos no Hospital Psiquiátrico
do Juquerí, em Franco da Rocha, S.P.. Corresponde-se com Freud que publica um
de seus escritos, "A Expressão Artística dos Alienados", na revista Imago. Nise
da Silveira também desenvolve um trabalho nesse sentido, desde 1946, no Serviço
de Terapêutica Ocupacional no Centro Psiquiátrico Pedro II, R.J.. Envia pinturas
de seus internos a Jung(25),
hoje expostas no Museu de Imagens do Inconsciente. Nise, nessa época, afirma
compreender, ao lidar com "atividades manuais e expressivas, processando-se
sobretudo em nível não verbal", ... que "esse tipo de tratamento não goze de
prestígio na nossa cultura tão deslumbrada pelas elucubrações do pensamento
racional e tão fascinada pelo verbo".(26)
Já em 1905, o grupo Die Brücke (A Ponte), do expressionismo
alemão, influenciado por Van Gogh, Edward Munch e Emil Nolde pretendia "alcançar
uma visão psicológica da impressão vivida, que fosse além da mera sensação do
real"(27).
Alguns autores, entretanto, afirmam que toda arte é expressiva e que em todas
as épocas existiram artistas que canalizaram as ansiedades de seu tempo, especialmente
em períodos de crise. A inovação do expressionismo moderno(28) teria sido a de descobrir "que o tema, tendo servido como veículo para gestos
expressivos, podia ser inteiramente abandonado"."O poder expressivo das cores
e formas, de pinceladas e textura, de tamanho e escala, era demonstravelmente
suficiente." "Uma vez admitida a personalidade do artista como fator determinante
do caráter de uma obra de arte, esta pode funcionar cada vez mais abertamente
como um meio de auto-revelação." "No contexto do individualismo moderno isso
pode ser levado a extremos..."(29)
Vários artistas se encantaram, estudaram e buscaram
inspiração na Psicanálise. Oswald de Andrade, poeta e escritor brasileiro, viaja
para a Europa em 1910, e Freud passa a transitar por seus textos(30).
Mário de Andrade, poeta, escritor, crítico de arte, dos modernistas brasileiros,
é quem mais se interessa pelas teorias freudianas(31).
Em 1912, o artista plástico Max Ernst, dadaísta,
produz colagens baseadas na associação de idéias e formulação dos sonhos. Em
1924, o diálogo entre a psicologia e a arte intensifica-se com o Surrealismo,
onde o material do artista passa a ser o inconsciente. Os surrealistas mergulham
nessa realidade inventando procedimentos para sobrepor-se à razão, como o método
crítico paranóico de Salvador Dali ou o desenho automático de André Masson.
No Brasil, esse mergulho aparece em trabalhos dos anos 30 de Flávio Carvalho,
Tarsila do Amaral, Ismael Nery e Cícero Dias(32).
Como psicoterapeuta, em consultório particular, em
1968, Magui desenvolve sua forma de trabalhar em arte-terapia.(33) Em 1972, convida Radhá Abramo, da Associação Brasileira de Críticos de Arte
e Carlos Alberto Godóy, psicólogo, para colaborarem com cursos de arte-terapia
que ela começa a ministrar. Junto com eles Magui apresenta uma proposta em arte-terapia,
em 1973, no XI Congresso Nacional de Psiquiatria e Higiene Mental, SP.. A parceria
com Radhá dura até 1974 e foi extremamente frutífera. Juntas, idealizaram e
monitoraram uma atividade realizada por um Terapeuta Ocupacional com detentos,
da ala masculina da Penitenciária do Estado de São Paulo. No Setor de Psiquiatria
do Hospital do Servidor Público S.P. realizaram grupos de terapia fundamentados
na produção de material expressivo. Nesse mesmo local, numa Jornada, apresentaram
a exposição dos trabalhos dos presidiários. Magui participou de uma Mesa Redonda
com o tema "Atividade artística como terapia".
Em 1980 Magui convida três colegas - Mônica Allende
Serra, Bia O' Cougne e Norberto Abreu e Silva Netto - para juntos organizarem
um curso anual de Terapias Expressivas(34) no Instituto Sedes Sapientiae. É iniciado, em 1990, um outro curso, organizado
e coordenado por Selma Ciornai, de Introdução à Arte-Terapia, também no Sedes,
atualmente com duração de três anos, e Magui é convidada para participar do
corpo docente.
Reúne, em 1993, outros arte-terapeutas para refletir
sobre a questão "A Arte Cura?", tema de mesa-redonda no I Encontro Paulista
de Arte-Terapia. Prossegue a discussão com os mesmos profissionais no livro: A Arte Cura?, pela Editorial Psy II, Campinas/SP,
1995.
Sedimentando conquistas |
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No final da década de 60 termina o regime de cátedras,
e o Instituto de Psicologia(35)
é criado com quatro Departamentos: Psicologia da Aprendizagem; do Desenvolvimento
e da Personalidade; Psicologia Clínica; e o Departamento de Psicologia Experimental
e de Psicologia Social e do Trabalho. Magui é a primeira chefe do Serviço de
Orientação Profissional.
Em 1974, Magui conhece o livro Orientacion
Vocacional - La Estratégia Clínica, de Rodolfo Bohoslavsky. Encontra
nesse autor os recursos teóricos que faltavam à sua prática. Passa a se corresponder
com ele e consegue trazê-lo para São Paulo para cursos em seu consultório e
para um Curso de Extensão Universitária na USP.
Durante toda a década de 70, Magui sedimenta sua
forma de trabalhar com grupos de Orientação Profissional. Treina alunos que
já haviam passado pela experiência do grupo para atenderem jovens. "E quem eram esses jovens? No início nós não tínhamos um serviço ali na USP,
então, nós saíamos para as escolas de periferia, escolas onde eles não tinham
a possibilidade de contratar um psicólogo. Saímos nos bairros pobres ali por
perto da USP e fomos oferecer nas escolas um serviço em Orientação Profissional;
assim começou o serviço: os alunos iam procurar escolas de periferia e atender.
Mas o Serviço começou a ficar muito bem visto, muito falado, e o que aconteceu?
Filhos dos professores vinham nos pedir ajuda. Professores vinham pedir que
a gente atendesse os filhos, funcionários da USP..., funcionários da reitoria
vinham pedir... acabamos montando um grupo, ali, na própria USP. Acabamos aceitando
que as pessoas viessem, achamos uma boa idéia, começamos a fazer essa propaganda
dentro da própria USP e aí começamos a receber clientes para o Serviço de Orientação
Profissional dos filhos das pessoas que trabalhavam na USP: professores, funcionários,
etc. e assim começou o Serviço de Orientação Profissional"(36).
Depois de dez anos de uso, Magui considera que a técnica
já estava bastante experimentada. Faz uma análise do conteúdo levantado em todos
aqueles grupos para a elaboração de sua tese, hoje ampliada no livro: Orientação Profissional:Teoria e Técnica publicado pela Editorial Psy
II, Campinas/SP em 1995.
O Serviço criado por Magui funciona até hoje na USP e
utiliza diversas modalidades de atendimento.
Novos horizontes da maturidade |
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Em 1983, Magui aposenta-se. Resolve estudar coisas novas
e descobre por uma amiga o psiquiatra Milton H. Erickson, criador da moderna
hipnoterapia.
Na história da humanidade exploraram-se os estados hipnóticos em três momentos.
Primeiro, na hipnose dos povos primitivos e das civilizações antigas, impregnada
de magia, misticismo e religiosidade, utilizada para a cura de doenças, imposição
de idéias, captação de mensagem dos deuses, profecias e poder. O segundo, na
hipnose científica iniciada por Mesmer no século XVIII e desenvolvida por médicos
e psicólogos(37).
O terceiro momento, o da hipnose moderna criada por Milton Erikson (1901-1980).
Tradicionalmente o terapeuta dirigia e controlava
os estados de transe e o paciente se submetia. Com Milton Erickson(38)
a hipnose tornou-se um processo de comunicação e interação, exigindo
a participação ativa do paciente. Em sua definição: "Um processo pelo qual ajudamos
as pessoas a utilizarem suas próprias associações mentais, memórias, potenciais
de vida, para alcançar seus objetivos terapêuticos pessoais. A sugestão hipnótica
pode facilitar a utilização de habilidades e potenciais já existentes na pessoa,
mas que estavam em desuso ou subdesenvolvidos por falta de treino ou de compreensão.
A Hipnoterapia explora cuidadosamente a individualidade do paciente para decidir
quais as apredizagens da vida, experiências, habilidades que estão disponíveis
para lidar com o problema."
Antes da hipnoterapia de Milton Erickson, Magui conhecia
apenas vagamente a hipnose tradicional. Não a imaginava como forma de utilização
de recursos naturais do ser humano. Descobriu que a hipnoterapia, por meio de
uma de suas formas - a técnica do uso de imagens mentais ou de visualização
- estava sendo muito utilizada com pacientes de câncer. O objetivo era ajudá-los
no controle dos sintomas, especialmente da dor, na melhora dos distúrbios psicológicos,
da qualidade de vida e até mesmo no combate ao tumor por meio da visualização
das células cancerosas e das células de defesa do organismo. "Se as idéias de
Erickson já haviam me surpreendido, a idéia de utilizar o processo de visualização
no auxílio aos pacientes de câncer foi uma surpresa ainda maior."(39)
"E esse foi o começo de uma fase nova na minha vida,
tanto pessoal como profissional".
Descobre o Programa Simonton, programa de Psicoterapia
Breve que utiliza técnica de visualização em pacientes com câncer através de
Maggie Creighton do Cancer Support and Education
Center, Palo Alto, Califórnia. Lá também trabalhava o terapeuta corporal
brasileiro, Edmundo Barbosa, que apresentou Magui como uma psicoterapeuta brasileira
que queria conhecer o trabalho com pacientes de câncer. Maggie ofereceu que
ela passasse pelo programa junto com os pacientes e recebesse o mesmo tratamento
como participante do grupo.
"Entendi a importância daquele trabalho conjunto, para
que uns percebessem os outros e para que todos se tratassem. E via a visualização
sendo utilizada, entre outras técnicas, realmente com uma importância e um valor
fundamentais para aqueles pacientes."
Ao terminar sua participação neste grupo e conversar
com Maggie, perguntando a esta se deveria efetuar algum pagamento, ouviu dela
a resposta: ..."Pague contando no seu país como é esse programa, divulgando
para outros pacientes de câncer o que é possível fazer por eles; o quanto por
meio de propostas e técnicas especialmente elaboradas com essa finalidade as
pessoas podem tomar consciência de si, de sua história de vida, suas crenças,
suas atitudes, de seu momento. E tomando consciência possam agir, modificar
seus comportamentos, elaborar suas emoções, aliviar suas tensões, conseguir
uma melhor qualidade de vida. E, juntamente com o tratamento médico, possam
ter uma participação ativa no seu processo de doença e de saúde."
Magui introduz, no Brasil, o Programa Simonton: realiza
palestras, dirige grupos de estudos e inicia treinamentos junto aos profissionais
de saúde interessados em efetuar atendimento psicossocial aos pacientes de câncer.
"Comecei imediatamente a falar, para quem quisesse ouvir, que eu havia conhecido
um programa educacional e terapêutico criado para auxiliar o paciente de câncer.
E que, segundo pesquisas citadas no livro de Simonton, tinha o efeito de melhorar
a qualidade de vida e prolongá-la, comparando com pacientes que não passaram
pelo programa. E, ainda, que, aliado a um tratamento médico, esse programa havia
levado a alguns surpreendentes resultados de cura."
Funda, em 1984, com a psicóloga Maura Camargo Mastrobuono,
um grupo de psicólogos, médicos, nutricionistas e outros profissionais da saúde,
o Centro Alfa (Apoio e Autoconhecimento dos Processos de Câncer), com a finalidade
de oferecer esse programa aos pacientes de câncer, suas famílias e profissionais
da saúde que os assistem. Magui aprofunda-se nessa fase nas áreas da Psico-Oncologia,
Psiconeuroimunologia, trabalhos com dor, com a morte e o processo de morrer.
O CORA, Centro Oncológico de Recuperação e Apoio, um
centro de auto-ajuda, coordenado por pacientes e ex-pacientes de câncer, foi
iniciado em 1986 por um grupo liderado por Edith Elek, jornalista, e Egydio
Bianchi, engenheiro e incentivado pelo Dr. Sérgio Simon, oncologista, com a
participação do psicólogo Paulo I. Cyrillo. Em 1987, o corpo técnico do Centro
Alfa se juntou ao CORA que aprofunda, então, o conhecimento do Programa Simonton
e estabelece um convênio com o Cancer Support and Education Center, trazendo
Maggie Creighton e oficializando esta instituição como representante no Brasil
da instituição norte-americana.
Em 1993, profissionais vindos de diferentes caminhos,
unidos em torno da idéia de expandir informações, conhecimentos e técnicas que
auxiliam na problemática do câncer, inicia no Instituto Sedes Sapientiae o primeiro
Curso de Psico-Oncologia realizado em nível universitário. Hoje ele funciona
como curso de especialização com duração de dois anos e tem um atendimento aberto
à população pelos alunos, supervisionados pelos docentes Mª da Glória Gonçalves
Gimenes, Mª Helena Pereira Franco Bromberg, Mirian Aydar Nascimento Ramalho
e Prof° Vicente Augusto de Carvalho, além de Magui.
Magui continua levando os conhecimentos desenvolvidos
em São Paulo em Psico-Oncologia para outros estados do Brasil. Orgulha-se em
dizer que a Psico-Oncologia praticada no Brasil é melhor, mais humanizada que
a dos Estados Unidos, onde já esteve, convidada por Gerald Epstein proferindo
palestras sobre o tema. Seu livro Psico-Oncologia
no Brasil: Resgatando o Viver está sendo traduzido para o inglês.
Hoje Magui declara-se de linha humanista. Avessa à ortodoxia,
incorpora em seu consultório as técnicas e abordagens aprendidas durante a vida.
Denomina-se Profissional de Saúde e situa sua produção em pesquisa e atuação
social dentro do campo da interdisciplinaridade, reconhecendo a necessidade
do diálogo entre as disciplinas. Maria Margarida Moreira Jorge de Carvalho tornou-se
imortal em 1993: foi homenageada e passou a ocupar a cadeira n° 11 -
cujo patrono é Roger Bastide - da Academia Paulista de Psicologia.
de Carvalho, M. M.,
Coord., Introdução à Psiconcologia,
Editorial Psy II, Campinas/SP, 1994.
de Carvalho, M. M.,
Orientação profissional em grupo - teoria e técnica,
Editorial Psy II, Campinas/SP, 1995.
de Carvalho, M. M.,
Coord., A Arte Cura?,
Editorial Psy II, Campinas/SP, 1995.
de Carvalho, M. M.,
Coord., Vida e Morte: Laços de Existência,
Casa do Psicólogo/Sp, 1996.
de Carvalho, M. M.,
Coord., Resgatando o Viver,
Summus Editorial Ltda/SP, 1998.
de Carvalho, M. M.,
Org., Dor - Um Estudo Interdisciplinar,
Summus Editorial Ltda/SP, 1999.
Bettarello, S. V.,
Org., Perspectivas Psicodinâmicas em Psiquiatria,
Lemos Editorial/SP, 1998.
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