Eixo Temático 4: Psicologia no
Ensino Médio
Este eixo refere-se às experiências de professores
de Psicologia cuja atuação profissional focalize novas propostas curriculares,
projetos ou ações institucionais comprometidos com a democratização das
relações escolares e do Ensino, portanto, urge ratificar sua importância
ao oferecer para os estudantes fundamentos que lhe permitam compreender
as diferentes dimensões da subjetividade, os processos de constituição
do sujeito em uma sociedade, ampliando e consolidando assim, uma educação
humanizada e com compromisso social.
EIXO 4 – TEXTO BASE:
Psicologia no Ensino Médio: desafios e perspectivas
Ângela Fátima Soligo(14)
Roberta Gurgel Azzi(15)
A presença da Psicologia no campo da Educação brasileira
confunde-se como sua própria história de inserção no Brasil, já que é
por meio da Educação que o conhecimento psicológico aporta no cenário
nacional, ainda no século XIX.
Quer seja como conhecimento teórico que permite compreender os processos
psicológicos, os caminhos do desenvolvimento humano, os processos de aprendizagem,
quer seja como referencial que orientava as metodologias de ensino, práticas
pedagógicas e procedimentos de avaliação, a psicologia foi construindo,
ampliando e diversificando seus espaços no campo educativo.
14. Psicológa, Doutora em Psicologia,
Professora da Faculdade de Educação da Unicamp, São Paulo.
15. Psicóloga, Doutora em Educação, Professora da Faculdade
de Educação da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.
No seu processo de constituição e consolidação
no campo educativo, a Psicologia foi construindo formas de compreensão
do sujeito histórico, cujas condutas no espaço escolar só podem ser compreendidas
nas relações que nele se estabelecem, a partir dos complexos e multivetoriais
condicionantes estruturais, sistêmicos e políticas (Guzzo e Wechsler,
1993; Patto, 1999).
De lugar da norma, que marcou os primórdios da
Psicologia no contexto educativo, a Psicologia Escolar e Educacional foi
se consolidando como lugar da compreensão, da atenção às diferenças, às
subjetividades construídas na relação com a cultura e a sociedade. A escola
passa a ser compreendida na sua complexidade, como instituição social
que, longe de ser neutra, reproduz ideologia, mas também possibilita acesso
aos conhecimentos valorizados e construção de percursos de aprendizagem.
Os sistemas educativos, o currículo escolar, a relação professor/alunos,
a identidade do professor, as diferenças e preconceitos, a relação escola-comunidade,
passam a compor o universo da pesquisa no campo de Psicologia Escolar
e Educacional.
O âmbito do Ensino é também, historicamente, um
dos fortes referenciais de inserção da Psicologia na Educação. Podemos
considerar, como marco da entrada da Psicologia no ensino regular, a criação
da unidade programática – Psychologia, na cadeira de Filosofia, em 1850,
no colégio Pedro II, no Rio de Janeiro (Vechia & Lorenz, 1998). Este fato
é notório e significativo, uma vez que o referido colégio foi criado,
em 1834, para ser um parâmetro da Educação Secundária Nacional.
A partir de 1890, a Psicologia passaria a compor,
como disciplina, o currículo das Escolas Normais (Massimi, 1993), nos
programas de formação de professores, e se mantém até hoje como um dos
referenciais na formação de professores, tanto no nível médio quanto na
educação superior.
Na história do ensino médio do país a Psicologia
teve uma trajetória marcada, ao mesmo tempo, por irregularidade e constância:
irregularidade porque em diferentes momentos históricos e modalidades
de formação, a psicologia aparece com maior ou menor importância. Ao mesmo
tempo constância porque, aparte as oscilações no que toca ao grau de relevância
reconhecida da Psicologia, ela esteve o tempo todo presente, quer seja
no ensino regular, quer seja no ensino médio profissionalizante (em algumas
áreas, consideradas de extrema relevância, como na saúde, na administração
e na formação de professores).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
– LDBEN de 1971, engendrada no período da ditadura militar, pôs fim à
presença das Ciências Humanas no Ensino médio Regular, privilegiando uma
formação tecnicista, voltada ao mercado de trabalho – para as classes
trabalhadoras – ou para a formação universitária – para a classe média
e as elites.
O processo de redemocratização do país trouxe de
volta o debate sobre os rumos da educação do país e a necessidade de profundas
mudanças nos sistemas educativos, bem como em toda a sociedade, culminando
com a constituição de 1988 e a LDBEN de 1996.
No conjunto de mudanças advindas desse longo processo
de retomada da democracia, reconhece-se a importância das Ciências Humanas
na formação dos adolescentes e jovens e a LDBEN/96 incorpora as disciplinas
Filosofia e Sociologia no currículo do Ensino Médio. A Psicologia, embora
tendo sido reconhecida sua importância como conteúdo transversal, não
é incorporada como campo disciplinar.
No Estado de São Paulo(16), por
exemplo, em distintos momentos desde o processo de redemocratização, importantes
iniciativas marcaram a retomada do Ensino de Psicologia no Nível Médio
Regular.
Nos anos 80, a partir de uma parceria entre a Coordenadoria
Estadual de Normas Pedagógicas – CENP, da Secretaria de Estado da Educação
e o Conselho Regional de Psicologia, foram realizadas discussões e criado
um grupo de trabalho que publicou, em 1986, uma proposta para o ensino
de Psicologia no Nível médio, que até hoje é referência para o ensino
de Psicologia no Nível Médio. Nesta época, a Psicologia passou a figurar
como disciplina obrigatória no Estado de São Paulo.
Na década de 90, ela passa ao núcleo diversificado
do currículo, de caráter eletivo, mas nova iniciativa envolvendo a Secretaria
de Educação e o CRP, buscando redefinir parâmetros curriculares para o
Ensino Médio – em que a Psicologia figuraria como disciplina obrigatória
– resultou em estudos e publicação de textos geradores, porém não se logrou
a incorporação da Psicologia no Nível Médio.
Nos anos 2000, ainda no Estado de São Paulo, novamente
a CENP convocou profissionais da área de Psicologia, bem como das demais
áreas do conhecimento, para organização das diretrizes curriculares do
Ensino Médio. Nessa proposta, a Psicologia figurava como disciplina obrigatória.
A proposta jamais saiu do papel.
Em cada Estado brasileiro, pode-se narrar um processo
de encolhimento do espaço da Psicologia no Ensino Médio regular, a partir
da LDBEN/96, ao mesmo tempo em que seu lugar vai se consolidando nos cursos
técnicos e profissionalizantes, em especial os das áreas de saúde, comunicação,
administração e serviços de atendimento (Moreno, 1996).
16. Esse texto traz como exemplo
a experiência do Estado de São Paulo, pois em três momentos distintos
e significativos (décadas de 80, 90 e anos 2000), a inserção da Psicologia
como disciplina obrigatória no Ensino Médio foi objeto de reflexão e produção
de documentos que são referência para a discussão atual. No entanto, não
se assume aqui que a experiência de São Paulo tenha sido a única, apenas
que esta está documentada e pode servir como desencadeador para reflexões
mais gerais acerca da temática.
Por que psicologia no Ensino Médio
A defesa da presença da Psicologia como disciplina
obrigatória do Ensino Médio parte de dois princípios fundamentais:
1. A Psicologia é um vasto campo de conhecimento
que, ao longo de sua história, tem se debruçado sobre as grandes angústias
e dilemas humanos e produzido referenciais teóricos que permitem a compreensão
das subjetividades humanas, construídas na relação com a sociedade, a
cultura, o tempo.
Questões como o sofrimento humano, a angústia, o desamparo, a busca da
identidade, a inteligência e suas representações, o preconceito e a humilhação
social, a aprendizagem e suas vicissitudes, os gêneros e a sexualidade,
as linguagens e a comunicação, os grupos sociais, o trabalho e a alienação,
entre outras, têm na Psicologia uma abordagem profunda, que permite a
compreensão, reflexão e orientação de ações.
2. Cursar o ensino médio, direito que assiste a
todos os jovens brasileiros, representa mais do que garantir chances no
mercado de trabalho imediato ou de aprovação no vestibular. Segundo a
própria LDB, a educação deve promover a reflexão, o pensamento crítico
e criativo, a construção de autonomia de pensamento e cidadania. Nesse
sentido, os conhecimentos, pensados de forma articulada, são considerados
elementos fundamentais para a formação desse sujeito autônomo e cidadão.
Ora, para construir-se como sujeito pleno, é preciso compreender a vida,
nas suas possibilidades e dilemas. O acesso a um conhecimento que permita
a compreensão do humano subjetivo é, portanto, um direito do aluno. A
democratização desse conhecimento, por meio do ensino de Psicologia, um
dever dos sistemas educativos.
Por que Disciplina
As Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio, publicadas em 2006, apontam para uma proposta de superação do modelo
disciplinar desarticulado que vem marcando o Ensino Médio brasileiro.
Neste sentido, apontam para a necessidade do diálogo interdisciplinar,
para a construção de projetos coletivos, para a formação humana que supere
a mera reprodução de conhecimentos acabados, mas que mire à aprendizagem
como processo constante da vida.
Assim construídas, as orientações apontam os conteúdos
de natureza psicológica como componentes que passam transversalmente pelas
demais áreas do conhecimento, portanto não restritos a uma única disciplina.
No entanto, cumpre-nos questionar: pode-se confundir
uma área do conhecimento com temas transversais? Têm eles o mesmo status?
Certamente que não. Além disso, se tomadas as questões psicológicas como
temas transversais, quem as trabalharia, e a partir de que formação? Se
desvincularmos, portanto, as questões da subjetividade, da área de Psicologia
(mesmo que a ela não estejam restritas), corre-se o risco de dar a elas
um tratamento superficial, baseado unicamente no senso comum e na experiência
imediata, e portanto de se produzir e reproduzir conceitos naturalizados,
estereótipos, preconceitos. Perde-se, portanto, o sentido formativo e
crítico presente nas orientações.
Na perspectiva educativa que se apresenta, a inclusão
da Psicologia como disciplina não vem, portanto, como contraponto à proposta
de articulação de conhecimentos e da visão interdisciplinar. Ao contrário,
fornece, como disciplina, uma outra possibilidade de olhar para as questões
e dilemas da contemporaneidade, que faz interface com as demais áreas
do conhecimento.
A volta da Psicologia ao Ensino Médio, juntamente
com as demais ciências humanas, pode representar uma importante mudança
de paradigma de formação dos adolescentes e jovens brasileiros, na perspectiva
de superação do ensino tecnicista que marca essa etapa da escolaridade,
e de formação humana que mire à autonomia, à criatividade, à diferença
compreendida e vivida para além do preconceito, das rotulações, da hostilidade.
Marca, assim, um espaço significativo e relevante da Psicologia no cenário
educativo.
Os conteúdos da Psicologia para o Ensino Médio –
superando o dualismo teorias-temas
Ao analisarmos os conteúdos de relevância para
o ensino médio, com freqüência nos deparamos com a questão da organização
e priorização dos conteúdos, em que ora se defende a abordagem a partir
das teorias psicológicas clássicas, ora se defende a abordagem por meio
de temas.
Não se pode, no entanto, cair na armadilha da oposição
teoriatemas. As teorias psicológicas, como forma de compreensão da subjetividade
humana, das relações entres os homens, das questões que os inquietam em
distintos tempos, são plenas do sentido no cotidiano, refletem dimensões
das realidades em que se inserem. Portanto, apresentam conceitos e parâmetros
que orientam a pesquisa psicológica atual e permitem compreender os aspectos
e problemas da contemporaneidade, representados pelos temas.
A partir das idéias de estranhamento e de desnaturalização,
presentes nas Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio,
podemos destacar contribuições teóricas que representam fundamentos clássicos
da área, bem como novas contribuições teóricas.
A psicanálise de Freud, em seu tempo, marcou rupturas
importantes no modo de compreender a condição humana e seus determinantes.
Ao postular a tese do inconsciente, veio questionar a idéia corrente de
que toda conduta pode ser compreendida a partir da consciência, da razão.
Os lapsos explicativos advindos do privilegiamento da razão tiveram com
a psicanálise a possibilidade de uma compreensão mais profunda, que alteraram
visões estreitas e mesmo preconceituosas sobre a doença mental e os sofrimentos
humanos (Freud, 1997).
A postulação da sexualidade infantil, ao mesmo
tempo em que colocou em cheque uma visão ingênua de infância, bem como
perspectivas demonizantes (o infante selvagem) que negavam à criança sua
condição de sujeito, estabeleceu um outro status para a sexualidade, na
medida em que na psicanálise a sexualidade é força vital, que nos impulsiona
e humaniza. Vista a partir dessa perspectiva, a sexualidade não é aquilo
que nos perverte, mas sim aquilo que nos constitui, nos move para a vida
e para a produção de cultura.
Também as configurações familiares e o papel dos
pais têm na psicanálise lócus privilegiado, na medida em que, desde o
nascimento, o sujeito vai aprender a vida em sociedade e os padrões de
existência no grupo social a partir das relações familiares, que vão fornecer
os parâmetros de subjetividade, os valores, os tabus, os ideais que circulam
no seu grupo, em uma dada cultura.
Não é difícil identificar a importância de tal
abordagem, no contexto da formação dos jovens, se considerarmos que parte
dos conflitos de adolescentes e jovens tem sua origem nas dificuldades
de viver e compreender sua sexualidade frente aos padrões de gênero da
contemporaneidade, bem como os estereótipos e preconceitos que modulam
as subjetividades e sexualidades.
As novas sociabilidades e configurações familiares
são também possibilidades de reflexão que têm na psicanálise interessante
recorte para os jovens.
As abordagens do comportamento trazem também significativos
olhares para a realidade atual. Ao questionar a idéia de liberdade que
dá suporte ao pensamento contemporâneo, liberdade individual – de um indivíduo
pensado de forma abstrata, desconectado da vida, das relações concretas,
Skinner veio mostrar que não se pode explicar o homem fora de seu contexto.
Ao eleger o comportamento como objeto, trouxe relevantes contribuições
para compreendermos como o comportamento humano influencia e é influenciado
pelo ambiente colocando em evidência, portanto, uma perspectiva de sujeito
social. Focou sua discussão nos processos de aprendizagem e nas formas
como a organização do ambiente e as condutas interindividuais favorecem
ou dificultam os processos de aprendizagem (Skinner, 1983).
As abordagens recentes do comportamento, da psicologia
sóciocognitiva, trazem interessantes contribuições para pensarmos a escola
e as aprendizagens, que podem fornecer subsídios para que os adolescentes/jovens
apropriem-se de forma significativa de seu processo de aprendizagem. Destacam-se
nessa direção os estudos sobre atribuição de causalidade e as pesquisas
sobre organização do tempo e estratégias de estudo, bem como a perspectiva
da autoeficácia desenvolvida por Bandura (Azzi e Polydoro, 2006).
De Piaget muitas contribuições foram incorporadas
no campo da educação, mas no contexto do ensino médio destacamos a perspectiva
de inteligência que se evidencia na visão construtivista. Sem dúvida,
a desnaturalização do conceito de inteligência, a desconstrução de uma
visão estática e biologizante que se postulou nas perspectivas psicométricas,
são contribuições preciosas na visão piagetiana. A idéia de que a inteligência
é uma atribuição humana, um processo que nos caracteriza a todos e que
nos faz buscar o conhecimento, a partir de nossas condições e possibilidades,
de que a inteligência se desenvolve na interação com o mundo, não nasce
pronta nem está acabada, favorece uma compreensão de nossas possibilidades
e dificuldades não como limites intransponíveis, mas como desafios a serem
enfrentados e aberturas para novos caminhos (Piaget, 1970).
Em uma escola que ainda separa “bons” e “maus”
alunos, que ainda rotula como não inteligentes aqueles que não obtêm sucesso
nas tarefas escolares, em que o erro não é encarado como desafio, mas
como impossibilidade, oferecer ao jovem a possibilidade de uma compreensão
da relação inteligência – aprendizagem que ultrapasse os naturalismos
e preconceitos, traz para os jovens a possibilidade de compreender seu
papel e condição no contexto escolar de modo a superar a introjeção de
culpa pelo fracasso que ainda marca os discursos pedagógicos oficiais
e assumir uma postura ativa na busca pelo conhecimento.
Na perspectiva histórico-cultural desenvolvida
por Vygotsky vamos encontrar os fundamentos para a compreensão do homem
como ser social, historicamente constituído nas relações com o mundo,
com a cultura. A ênfase na mediação social, em que se destaca o papel
da linguagem, nos coloca diante de uma teoria que busca compreender a
consciência não como faculdade humana arbitrária, mas como função humana
que se desenvolve na relação sujeito-mundo, em que a linguagem, como constituída
e constituinte de significados socialmente produzidos, ao mesmo tempo
em que modela os modos de pensar de uma determinada cultura, expressa
as subjetividades e diferenças constituídas nessa cultura (Vygotsky, 1991).
Tal perspectiva tem, portanto, alto potencial compreensivo
das distintas manifestações jovens em que a linguagem marca a diferença,
seja por meio das novas mídias – Orkut, MSN e outras – seja por meio de
pichações, grafites, seja por meio de manifestações culturais como a música,
a poesia, o teatro.
A diferença, entendida como expressão das subjetividades
constituídas na relação homem-mundo, pode ser tratada na perspectiva de
superação de estereotipações e preconceitos.
As perspectivas apresentadas têm ainda, todas elas,
a contribuição de trazer um foco altamente relevante sobre a afetividade,
elemento constituinte do sujeito que ainda não está suficientemente incorporado
nos parâmetros de compreensão de sujeito que circulam na escola.
As teorias clássicas da Psicologia têm inspirado
e fundamentado grande parte dos estudos contemporâneos sobre o homem e
suas relações com a escola, que ao mesmo tempo as enriquecem e relativizam,
reforçam conceitos e ampliam formas de compreensão, superando suas limitações.
Outras abordagens certamente trouxeram contribuições para compreensão
do sujeito e de suas relações com o mundo e a realidade escolar, como
o Humanismo e a Gestalt, por exemplo.
Duas outras contribuições no campo da Psicologia
merecem ainda destaque: o desenvolvimento da Psicologia Escolar/Educacional
no Brasil e a Psicologia Social contemporânea.
Desde meados da década de 70, começaram a surgir
no Brasil estudos na área de Psicologia Escolar/Educacional que se contrapunham
a uma visão clínica na escola, fundada na mensuração de características
individuais e tratamento dos alunos não adaptados. A perspectiva que começava
a se desenvolver, inspirada em concepções histórico-dialéticas, considerava
a escola a partir de sua inserção no contexto social e político, e propunha
pensar não as características do aluno como determinantes da aprendizagem,
mas sim o processo ensino-aprendizagem. Processo relacional, recíproco,
em que estão implicados os sujeitos da aprendizagem e os condicionantes
sociais – a escola como instituição, a gestão, o projeto político pedagógico,
as políticas educativas, os fatores sócio-econômicos, a cultura, o tempo
histórico (Patto, 1999).
Muda, portanto, a visão de aluno, e de seu papel
no processo ensino-aprendizagem. As novas concepções apontam para um aluno
que é e deve ser visto como sujeito, não apenas no sentido de ser responsabilizado
por sua aprendizagem, mas no sentido do direito ao conhecimento e ao reconhecimento
de sua subjetividade e inserção cultural.
A Psicologia Social no Brasil, em meados dos anos
70, a partir de uma perspectiva crítica em Psicologia, fundada nos conceitos
do marxismo, trouxe contribuições inegáveis às formas de compreensão do
humano, na medida em que propunha pensarmos o homem nas relações concretas
– não aparentes – com a realidade, o homem social, em oposição ao homem
“natural” da Biologia (Lane e Codo, 1994).
Apresentou importantes conceitos, com base em conhecimentos
que já vinham sendo desenvolvidos em outros contextos, que são hoje referência
para pensarmos a sociedade e os sujeitos que nela circulam:
• a idéia de identidade, como expressão de uma
subjetividade que se constitui nas relações sociais, mediada pela cultura,
em oposição ao conceito tradicional de personalidade, que trazia um pressuposto
naturalizante;
• a idéia de consciência, como processo que se desenvolve nas relações
concretas e supõe reflexão, superação de modos de ver o mundo ideologicamente
conformados, contrapondo-se à alienação que marca as relações capitalistas
de trabalho e existência;
• o conceito de representações sociais, que deu sentido aprofundado à
concepção de homem construído nas relações sociais, na medida em que foca
na dialética homem-mundo a construção dos sentidos sociais e discursos
que circulam na comunicação entre os homens. O mundo real é entendido
como mundo representado, na medida em que os significados da realidade
e da experiência não estão dados a priori, mas construídos a partir da
cultura, das referências dos grupos sociais. Ao mesmo tempo, essa compreensão
dinâmica das representações aponta para a mudança, na medida em que, não
sendo naturais, as representações são mutáveis, cambiáveis e potencialmente
transformadoras. Os estudos de representação são hoje uma interessante
referência para pensarmos a relação do jovem com o mundo do trabalho e
da profissão, na medida em que revelam não somente aquilo que se declara,
mas principalmente as imagens sociais das profissões e do trabalho e os
conflitos presentes nas representações sobre a relação educação-trabalho.
• os estudos sobre preconceito são ainda uma importante contribuição,
porque indicam a forma como valores sociais estão relacionados a visões
hierarquizadas de homem, de cultura e sociedade; de como essas visões,
de caráter eugenista, conformam o modo como compreendemos a nós mesmos
e ao outro, e como determinadas diferenças são socialmente indicadoras
de rebaixamento social e discriminações (cor/etnia, idade, gênero, opção
sexual e outras).
Não restam dúvidas de que essas duas áreas fornecem
significativas ferramentas para que os jovens compreendam seu “lugar”
na sociedade e na cultura, relativizem concepções ideologicamente orientadas,
naturalizações e preconceitos que cercam sua existência.
Outro aspecto importante a salientar refere-se
ao ensino e suas possibilidades. A produção de conhecimentos na área de
Psicologia da Aprendizagem nos mostrou a importância do sujeito no seu
processo de aprendizagem, e da necessidade de construirmos métodos e estratégias
ativos de apreensão e produção de conhecimentos.
Os conteúdos que ensinamos não se desvinculam das
formas como ensinamos, pois estas estão imbricadas nas práticas pedagógicas.
Portanto, ensinar Psicologia implica superar a estratégia expositiva,
na busca de estratégias dialógicas e ativas de construção compartilhada
de conceitos e sentidos.
A Licenciatura em Psicologia: novos desafios
Ao defendermos a volta da Psicologia ao Ensino
Médio regular, um desafio se impõe: pensarmos a retomada e fortalecimento
dos cursos de Licenciatura em Psicologia.
As Diretrizes Curriculares para a Formação em Psicologia,
embora não apresentem impedimentos à oferta das Licenciaturas, organizam
os conhecimentos específicos em ênfases, e essa forma de organização precisa
ser compatibilizada com as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Formação de Professores.
A necessidade de compatibilização entre esses dois
referenciais, se por um lado apresenta-se como um grande desafio, por
outro mostra um potencial formador relevante, já que permite aproximar
o futuro psicólogo e professor de psicologia das questões envolvendo as
políticas educativas, os sistemas, orientações curriculares e outras dimensões
do processo educativo, fundamentais para a compreensão dos processos psicológicos
no contexto educacional/escolar.
Essa é uma tarefa que se impõe no momento, para
que possamos consolidar esse movimento: o estudo das possibilidades curriculares
para a licenciatura em psicologia; a adesão das instituições formadoras
a esse projeto.
Ações das entidades na luta pela Psicologia no Ensino
Médio
É histórica a luta pela presença da Psicologia
como componente curricular obrigatório no Ensino Médio, que nos remete
aos anos 80 e à retomada da democracia no Brasil. Mesmo que de forma flutuante
e distinta nas várias regiões brasileiras, esta luta sempre esteve presente
e gerou conteúdos e pesquisas.
Nos últimos anos, esse movimento ganhou força com
a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia – ABEP e o envolvimento
do Conselho Federal de Psicologia – CFP, que junto com outras entidades
do Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira – FENPB têm assumido
papel importante na condução do tema. Participação importante também tem
sido realizada por Conselhos Regionais, Sindicatos dos Psicólogos e por
professores e alunos nos diferentes estados, como é o caso de São Paulo,
que vem atuando fortemente nesta luta.
As entidades têm mantido constante diálogo com
as instâncias políticas e representativas, buscando consolidar o projeto
da nossa Psicologia, como anunciado em texto do Sistema Conselhos sobre
o ano da educação, ‘respaldada nos princípios do compromisso social, dos
direitos humanos e do respeito à diversidade enquanto fundamento para
uma efetiva inclusão social’.
O grande desafio que se impõe a todos nós, psicólogos,
professores e estudantes de psicologia, é fortalecer essa luta, mostrar
nossa legitimidade e relevância no contexto da formação dos adolescentes
e jovens brasileiros, narrar nossas experiências de formação nesta etapa
da escolaridade e aproximarmo-nos, nas distintas regiões e realidades
brasileiras, por meio dessas experiências.
Referências
APPLE, M. Ideologia e Currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982.
AZZI, R. G. (Org.); POLYDORO, Soely (Org.). Auto-eficácia diferentes
contextos. Campinas: Alínea, 2006. 164 p.
BORUCHOVITCH, E.; MARTINI, M. L.. A Teoria da Atribuição da
Causalidade: Contribuições para a formação e atuação de
educadores. Editora Alíea, 2004. 70 p.
CHAGAS, V. Educação Brasileira: Ensino de 1º e 2º Graus: antes,
agora e depois. São Paulo: Saraiva, 1980.
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA - 6ª REGIÃO. Psicologia no
Ensino de 2º Grau: uma proposta emancipadora. São Paulo:
EDICON, 1986.
ENGUITA, M.F. Educar em Tempos Incertos. Porto Alegre: Artmed,
2004.
FREUD, S. O mal-estar da civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
GOODSON,I.F. A Construção Social das Disciplinas Escolares. In: A
Construção Social do Currículo. Lisboa: Educa, 1997.
GRAMSCI, A. Obras Escolhidas. São Paulo: Martins Fontes, 1978.
GUZZO, R. S. L. ; WECHSLER, S. . Novos caminhos da psicologia
escolar brasileira. Estudos de Psicologia (Campinas), Campinas -
Sp, v. 10, n. 3, p. 21-40, 1993.
HORN,G.B. A Presença da Filosofia no Currículo do Ensino Médio
Brasileiro: Uma perspectiva Histórica. In GALLO, S. & KOHAN,W.
Filosofia no Ensino Médio. Petrópolis: Vozes, 2000.
LANE, S.T.M., CODO, W. Psicologia social: o homem em movimento.
São Paulo: Brasiliense, 1994.
MASSIMI,M. Projetos de Lei Prevendo a Inserção da Psicologia nos
Currículos do Ensino Superior e Secundário no Brasil no Século
XIX. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, 1993, 9, (2): p.261-269.
MEC/SEMTEC. Orientações curriculares para o Ensino Médio -
Ciências Humanas e suas tecnologias. 2002.
MEC/SEMTEC. Parâmetros Curriculares Nacionais:Ensino Médio/
Ministério da Educação, Secretaria da Educação Média e
Tecnológica. Brasília, 2002.
MORENO, M.P. Ensino de Psicologia no 2º grau segundo professores
(dissertação de mestrado). Instituto de Psicologia. PUC-Campinas,
1996.
MRECH, L.M. Casa de Ferreiro, Espeto de Pau: o Campo da Psicologia
no Ensino Médio. Campinas: Papirus, 2001.
PATTO, M.S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão
e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.
PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro:
Zahar, 1970.
ROMANELLI, O. História da Educação no Brasil. Petrópolis: Vozes,
2001.
SILVA, T.T. & MOREIRA,A.F.B. (orgs). Territórios Contestados: o
currículo e os novos mapas culturais. Petrópolis: Vozes, 2001.
SKINNER, B.V. O mito da liberdade. São Paulo: Summus, 1983.
SOLIGO, A.F. Contribuições da Psicologia Social para a formação do
professor: representações sociais e atitudes. In: AZZI, R.G. e
SADALLA, A.M.F.A. (Orgs). Psicologia e Formação Docente:
Desafios e Conversas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.
VECHIA, A. & LORENZ, K.M. (orgs).Programa de Ensino da Escola
Secundária Brasileira:1850-1951. Curitiba: Editora do Autor,
1998.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins
Fontes, 1991.