Eixo Temático 4: Psicologia no Ensino Médio

Este eixo refere-se às experiências de professores de Psicologia cuja atuação profissional focalize novas propostas curriculares, projetos ou ações institucionais comprometidos com a democratização das relações escolares e do Ensino, portanto, urge ratificar sua importância ao oferecer para os estudantes fundamentos que lhe permitam compreender as diferentes dimensões da subjetividade, os processos de constituição do sujeito em uma sociedade, ampliando e consolidando assim, uma educação humanizada e com compromisso social.

EIXO 4 – TEXTO BASE:
Psicologia no Ensino Médio: desafios e perspectivas

Ângela Fátima Soligo(14)
Roberta Gurgel Azzi(15)

A presença da Psicologia no campo da Educação brasileira confunde-se como sua própria história de inserção no Brasil, já que é por meio da Educação que o conhecimento psicológico aporta no cenário nacional, ainda no século XIX.
Quer seja como conhecimento teórico que permite compreender os processos psicológicos, os caminhos do desenvolvimento humano, os processos de aprendizagem, quer seja como referencial que orientava as metodologias de ensino, práticas pedagógicas e procedimentos de avaliação, a psicologia foi construindo, ampliando e diversificando seus espaços no campo educativo.

14. Psicológa, Doutora em Psicologia, Professora da Faculdade de Educação da Unicamp, São Paulo.
15. Psicóloga, Doutora em Educação, Professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.

No seu processo de constituição e consolidação no campo educativo, a Psicologia foi construindo formas de compreensão do sujeito histórico, cujas condutas no espaço escolar só podem ser compreendidas nas relações que nele se estabelecem, a partir dos complexos e multivetoriais condicionantes estruturais, sistêmicos e políticas (Guzzo e Wechsler, 1993; Patto, 1999).

De lugar da norma, que marcou os primórdios da Psicologia no contexto educativo, a Psicologia Escolar e Educacional foi se consolidando como lugar da compreensão, da atenção às diferenças, às subjetividades construídas na relação com a cultura e a sociedade. A escola passa a ser compreendida na sua complexidade, como instituição social que, longe de ser neutra, reproduz ideologia, mas também possibilita acesso aos conhecimentos valorizados e construção de percursos de aprendizagem. Os sistemas educativos, o currículo escolar, a relação professor/alunos, a identidade do professor, as diferenças e preconceitos, a relação escola-comunidade, passam a compor o universo da pesquisa no campo de Psicologia Escolar e Educacional.

O âmbito do Ensino é também, historicamente, um dos fortes referenciais de inserção da Psicologia na Educação. Podemos considerar, como marco da entrada da Psicologia no ensino regular, a criação da unidade programática – Psychologia, na cadeira de Filosofia, em 1850, no colégio Pedro II, no Rio de Janeiro (Vechia & Lorenz, 1998). Este fato é notório e significativo, uma vez que o referido colégio foi criado, em 1834, para ser um parâmetro da Educação Secundária Nacional.

A partir de 1890, a Psicologia passaria a compor, como disciplina, o currículo das Escolas Normais (Massimi, 1993), nos programas de formação de professores, e se mantém até hoje como um dos referenciais na formação de professores, tanto no nível médio quanto na educação superior.

Na história do ensino médio do país a Psicologia teve uma trajetória marcada, ao mesmo tempo, por irregularidade e constância: irregularidade porque em diferentes momentos históricos e modalidades de formação, a psicologia aparece com maior ou menor importância. Ao mesmo tempo constância porque, aparte as oscilações no que toca ao grau de relevância reconhecida da Psicologia, ela esteve o tempo todo presente, quer seja no ensino regular, quer seja no ensino médio profissionalizante (em algumas áreas, consideradas de extrema relevância, como na saúde, na administração e na formação de professores).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN de 1971, engendrada no período da ditadura militar, pôs fim à presença das Ciências Humanas no Ensino médio Regular, privilegiando uma formação tecnicista, voltada ao mercado de trabalho – para as classes trabalhadoras – ou para a formação universitária – para a classe média e as elites.

O processo de redemocratização do país trouxe de volta o debate sobre os rumos da educação do país e a necessidade de profundas mudanças nos sistemas educativos, bem como em toda a sociedade, culminando com a constituição de 1988 e a LDBEN de 1996.

No conjunto de mudanças advindas desse longo processo de retomada da democracia, reconhece-se a importância das Ciências Humanas na formação dos adolescentes e jovens e a LDBEN/96 incorpora as disciplinas Filosofia e Sociologia no currículo do Ensino Médio. A Psicologia, embora tendo sido reconhecida sua importância como conteúdo transversal, não é incorporada como campo disciplinar.

No Estado de São Paulo(16), por exemplo, em distintos momentos desde o processo de redemocratização, importantes iniciativas marcaram a retomada do Ensino de Psicologia no Nível Médio Regular.

Nos anos 80, a partir de uma parceria entre a Coordenadoria Estadual de Normas Pedagógicas – CENP, da Secretaria de Estado da Educação e o Conselho Regional de Psicologia, foram realizadas discussões e criado um grupo de trabalho que publicou, em 1986, uma proposta para o ensino de Psicologia no Nível médio, que até hoje é referência para o ensino de Psicologia no Nível Médio. Nesta época, a Psicologia passou a figurar como disciplina obrigatória no Estado de São Paulo.

Na década de 90, ela passa ao núcleo diversificado do currículo, de caráter eletivo, mas nova iniciativa envolvendo a Secretaria de Educação e o CRP, buscando redefinir parâmetros curriculares para o Ensino Médio – em que a Psicologia figuraria como disciplina obrigatória – resultou em estudos e publicação de textos geradores, porém não se logrou a incorporação da Psicologia no Nível Médio.

Nos anos 2000, ainda no Estado de São Paulo, novamente a CENP convocou profissionais da área de Psicologia, bem como das demais áreas do conhecimento, para organização das diretrizes curriculares do Ensino Médio. Nessa proposta, a Psicologia figurava como disciplina obrigatória. A proposta jamais saiu do papel.

Em cada Estado brasileiro, pode-se narrar um processo de encolhimento do espaço da Psicologia no Ensino Médio regular, a partir da LDBEN/96, ao mesmo tempo em que seu lugar vai se consolidando nos cursos técnicos e profissionalizantes, em especial os das áreas de saúde, comunicação, administração e serviços de atendimento (Moreno, 1996).

16. Esse texto traz como exemplo a experiência do Estado de São Paulo, pois em três momentos distintos e significativos (décadas de 80, 90 e anos 2000), a inserção da Psicologia como disciplina obrigatória no Ensino Médio foi objeto de reflexão e produção de documentos que são referência para a discussão atual. No entanto, não se assume aqui que a experiência de São Paulo tenha sido a única, apenas que esta está documentada e pode servir como desencadeador para reflexões mais gerais acerca da temática.

Por que psicologia no Ensino Médio

A defesa da presença da Psicologia como disciplina obrigatória do Ensino Médio parte de dois princípios fundamentais:

1. A Psicologia é um vasto campo de conhecimento que, ao longo de sua história, tem se debruçado sobre as grandes angústias e dilemas humanos e produzido referenciais teóricos que permitem a compreensão das subjetividades humanas, construídas na relação com a sociedade, a cultura, o tempo.
Questões como o sofrimento humano, a angústia, o desamparo, a busca da identidade, a inteligência e suas representações, o preconceito e a humilhação social, a aprendizagem e suas vicissitudes, os gêneros e a sexualidade, as linguagens e a comunicação, os grupos sociais, o trabalho e a alienação, entre outras, têm na Psicologia uma abordagem profunda, que permite a compreensão, reflexão e orientação de ações.

2. Cursar o ensino médio, direito que assiste a todos os jovens brasileiros, representa mais do que garantir chances no mercado de trabalho imediato ou de aprovação no vestibular. Segundo a própria LDB, a educação deve promover a reflexão, o pensamento crítico e criativo, a construção de autonomia de pensamento e cidadania. Nesse sentido, os conhecimentos, pensados de forma articulada, são considerados elementos fundamentais para a formação desse sujeito autônomo e cidadão. Ora, para construir-se como sujeito pleno, é preciso compreender a vida, nas suas possibilidades e dilemas. O acesso a um conhecimento que permita a compreensão do humano subjetivo é, portanto, um direito do aluno. A democratização desse conhecimento, por meio do ensino de Psicologia, um dever dos sistemas educativos.

Por que Disciplina

As Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, publicadas em 2006, apontam para uma proposta de superação do modelo disciplinar desarticulado que vem marcando o Ensino Médio brasileiro. Neste sentido, apontam para a necessidade do diálogo interdisciplinar, para a construção de projetos coletivos, para a formação humana que supere a mera reprodução de conhecimentos acabados, mas que mire à aprendizagem como processo constante da vida.

Assim construídas, as orientações apontam os conteúdos de natureza psicológica como componentes que passam transversalmente pelas demais áreas do conhecimento, portanto não restritos a uma única disciplina.

No entanto, cumpre-nos questionar: pode-se confundir uma área do conhecimento com temas transversais? Têm eles o mesmo status? Certamente que não. Além disso, se tomadas as questões psicológicas como temas transversais, quem as trabalharia, e a partir de que formação? Se desvincularmos, portanto, as questões da subjetividade, da área de Psicologia (mesmo que a ela não estejam restritas), corre-se o risco de dar a elas um tratamento superficial, baseado unicamente no senso comum e na experiência imediata, e portanto de se produzir e reproduzir conceitos naturalizados, estereótipos, preconceitos. Perde-se, portanto, o sentido formativo e crítico presente nas orientações.

Na perspectiva educativa que se apresenta, a inclusão da Psicologia como disciplina não vem, portanto, como contraponto à proposta de articulação de conhecimentos e da visão interdisciplinar. Ao contrário, fornece, como disciplina, uma outra possibilidade de olhar para as questões e dilemas da contemporaneidade, que faz interface com as demais áreas do conhecimento.

A volta da Psicologia ao Ensino Médio, juntamente com as demais ciências humanas, pode representar uma importante mudança de paradigma de formação dos adolescentes e jovens brasileiros, na perspectiva de superação do ensino tecnicista que marca essa etapa da escolaridade, e de formação humana que mire à autonomia, à criatividade, à diferença compreendida e vivida para além do preconceito, das rotulações, da hostilidade. Marca, assim, um espaço significativo e relevante da Psicologia no cenário educativo.

Os conteúdos da Psicologia para o Ensino Médio – superando o dualismo teorias-temas

Ao analisarmos os conteúdos de relevância para o ensino médio, com freqüência nos deparamos com a questão da organização e priorização dos conteúdos, em que ora se defende a abordagem a partir das teorias psicológicas clássicas, ora se defende a abordagem por meio de temas.

Não se pode, no entanto, cair na armadilha da oposição teoriatemas. As teorias psicológicas, como forma de compreensão da subjetividade humana, das relações entres os homens, das questões que os inquietam em distintos tempos, são plenas do sentido no cotidiano, refletem dimensões das realidades em que se inserem. Portanto, apresentam conceitos e parâmetros que orientam a pesquisa psicológica atual e permitem compreender os aspectos e problemas da contemporaneidade, representados pelos temas.

A partir das idéias de estranhamento e de desnaturalização, presentes nas Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, podemos destacar contribuições teóricas que representam fundamentos clássicos da área, bem como novas contribuições teóricas.

A psicanálise de Freud, em seu tempo, marcou rupturas importantes no modo de compreender a condição humana e seus determinantes. Ao postular a tese do inconsciente, veio questionar a idéia corrente de que toda conduta pode ser compreendida a partir da consciência, da razão. Os lapsos explicativos advindos do privilegiamento da razão tiveram com a psicanálise a possibilidade de uma compreensão mais profunda, que alteraram visões estreitas e mesmo preconceituosas sobre a doença mental e os sofrimentos humanos (Freud, 1997).

A postulação da sexualidade infantil, ao mesmo tempo em que colocou em cheque uma visão ingênua de infância, bem como perspectivas demonizantes (o infante selvagem) que negavam à criança sua condição de sujeito, estabeleceu um outro status para a sexualidade, na medida em que na psicanálise a sexualidade é força vital, que nos impulsiona e humaniza. Vista a partir dessa perspectiva, a sexualidade não é aquilo que nos perverte, mas sim aquilo que nos constitui, nos move para a vida e para a produção de cultura.

Também as configurações familiares e o papel dos pais têm na psicanálise lócus privilegiado, na medida em que, desde o nascimento, o sujeito vai aprender a vida em sociedade e os padrões de existência no grupo social a partir das relações familiares, que vão fornecer os parâmetros de subjetividade, os valores, os tabus, os ideais que circulam no seu grupo, em uma dada cultura.

Não é difícil identificar a importância de tal abordagem, no contexto da formação dos jovens, se considerarmos que parte dos conflitos de adolescentes e jovens tem sua origem nas dificuldades de viver e compreender sua sexualidade frente aos padrões de gênero da contemporaneidade, bem como os estereótipos e preconceitos que modulam as subjetividades e sexualidades.

As novas sociabilidades e configurações familiares são também possibilidades de reflexão que têm na psicanálise interessante recorte para os jovens.

As abordagens do comportamento trazem também significativos olhares para a realidade atual. Ao questionar a idéia de liberdade que dá suporte ao pensamento contemporâneo, liberdade individual – de um indivíduo pensado de forma abstrata, desconectado da vida, das relações concretas, Skinner veio mostrar que não se pode explicar o homem fora de seu contexto. Ao eleger o comportamento como objeto, trouxe relevantes contribuições para compreendermos como o comportamento humano influencia e é influenciado pelo ambiente colocando em evidência, portanto, uma perspectiva de sujeito social. Focou sua discussão nos processos de aprendizagem e nas formas como a organização do ambiente e as condutas interindividuais favorecem ou dificultam os processos de aprendizagem (Skinner, 1983).

As abordagens recentes do comportamento, da psicologia sóciocognitiva, trazem interessantes contribuições para pensarmos a escola e as aprendizagens, que podem fornecer subsídios para que os adolescentes/jovens apropriem-se de forma significativa de seu processo de aprendizagem. Destacam-se nessa direção os estudos sobre atribuição de causalidade e as pesquisas sobre organização do tempo e estratégias de estudo, bem como a perspectiva da autoeficácia desenvolvida por Bandura (Azzi e Polydoro, 2006).

De Piaget muitas contribuições foram incorporadas no campo da educação, mas no contexto do ensino médio destacamos a perspectiva de inteligência que se evidencia na visão construtivista. Sem dúvida, a desnaturalização do conceito de inteligência, a desconstrução de uma visão estática e biologizante que se postulou nas perspectivas psicométricas, são contribuições preciosas na visão piagetiana. A idéia de que a inteligência é uma atribuição humana, um processo que nos caracteriza a todos e que nos faz buscar o conhecimento, a partir de nossas condições e possibilidades, de que a inteligência se desenvolve na interação com o mundo, não nasce pronta nem está acabada, favorece uma compreensão de nossas possibilidades e dificuldades não como limites intransponíveis, mas como desafios a serem enfrentados e aberturas para novos caminhos (Piaget, 1970).

Em uma escola que ainda separa “bons” e “maus” alunos, que ainda rotula como não inteligentes aqueles que não obtêm sucesso nas tarefas escolares, em que o erro não é encarado como desafio, mas como impossibilidade, oferecer ao jovem a possibilidade de uma compreensão da relação inteligência – aprendizagem que ultrapasse os naturalismos e preconceitos, traz para os jovens a possibilidade de compreender seu papel e condição no contexto escolar de modo a superar a introjeção de culpa pelo fracasso que ainda marca os discursos pedagógicos oficiais e assumir uma postura ativa na busca pelo conhecimento.

Na perspectiva histórico-cultural desenvolvida por Vygotsky vamos encontrar os fundamentos para a compreensão do homem como ser social, historicamente constituído nas relações com o mundo, com a cultura. A ênfase na mediação social, em que se destaca o papel da linguagem, nos coloca diante de uma teoria que busca compreender a consciência não como faculdade humana arbitrária, mas como função humana que se desenvolve na relação sujeito-mundo, em que a linguagem, como constituída e constituinte de significados socialmente produzidos, ao mesmo tempo em que modela os modos de pensar de uma determinada cultura, expressa as subjetividades e diferenças constituídas nessa cultura (Vygotsky, 1991).

Tal perspectiva tem, portanto, alto potencial compreensivo das distintas manifestações jovens em que a linguagem marca a diferença, seja por meio das novas mídias – Orkut, MSN e outras – seja por meio de pichações, grafites, seja por meio de manifestações culturais como a música, a poesia, o teatro.

A diferença, entendida como expressão das subjetividades constituídas na relação homem-mundo, pode ser tratada na perspectiva de superação de estereotipações e preconceitos.

As perspectivas apresentadas têm ainda, todas elas, a contribuição de trazer um foco altamente relevante sobre a afetividade, elemento constituinte do sujeito que ainda não está suficientemente incorporado nos parâmetros de compreensão de sujeito que circulam na escola.

As teorias clássicas da Psicologia têm inspirado e fundamentado grande parte dos estudos contemporâneos sobre o homem e suas relações com a escola, que ao mesmo tempo as enriquecem e relativizam, reforçam conceitos e ampliam formas de compreensão, superando suas limitações. Outras abordagens certamente trouxeram contribuições para compreensão do sujeito e de suas relações com o mundo e a realidade escolar, como o Humanismo e a Gestalt, por exemplo.

Duas outras contribuições no campo da Psicologia merecem ainda destaque: o desenvolvimento da Psicologia Escolar/Educacional no Brasil e a Psicologia Social contemporânea.

Desde meados da década de 70, começaram a surgir no Brasil estudos na área de Psicologia Escolar/Educacional que se contrapunham a uma visão clínica na escola, fundada na mensuração de características individuais e tratamento dos alunos não adaptados. A perspectiva que começava a se desenvolver, inspirada em concepções histórico-dialéticas, considerava a escola a partir de sua inserção no contexto social e político, e propunha pensar não as características do aluno como determinantes da aprendizagem, mas sim o processo ensino-aprendizagem. Processo relacional, recíproco, em que estão implicados os sujeitos da aprendizagem e os condicionantes sociais – a escola como instituição, a gestão, o projeto político pedagógico, as políticas educativas, os fatores sócio-econômicos, a cultura, o tempo histórico (Patto, 1999).

Muda, portanto, a visão de aluno, e de seu papel no processo ensino-aprendizagem. As novas concepções apontam para um aluno que é e deve ser visto como sujeito, não apenas no sentido de ser responsabilizado por sua aprendizagem, mas no sentido do direito ao conhecimento e ao reconhecimento de sua subjetividade e inserção cultural.

A Psicologia Social no Brasil, em meados dos anos 70, a partir de uma perspectiva crítica em Psicologia, fundada nos conceitos do marxismo, trouxe contribuições inegáveis às formas de compreensão do humano, na medida em que propunha pensarmos o homem nas relações concretas – não aparentes – com a realidade, o homem social, em oposição ao homem “natural” da Biologia (Lane e Codo, 1994).

Apresentou importantes conceitos, com base em conhecimentos que já vinham sendo desenvolvidos em outros contextos, que são hoje referência para pensarmos a sociedade e os sujeitos que nela circulam:

• a idéia de identidade, como expressão de uma subjetividade que se constitui nas relações sociais, mediada pela cultura, em oposição ao conceito tradicional de personalidade, que trazia um pressuposto naturalizante;
• a idéia de consciência, como processo que se desenvolve nas relações concretas e supõe reflexão, superação de modos de ver o mundo ideologicamente conformados, contrapondo-se à alienação que marca as relações capitalistas de trabalho e existência;
• o conceito de representações sociais, que deu sentido aprofundado à concepção de homem construído nas relações sociais, na medida em que foca na dialética homem-mundo a construção dos sentidos sociais e discursos que circulam na comunicação entre os homens. O mundo real é entendido como mundo representado, na medida em que os significados da realidade e da experiência não estão dados a priori, mas construídos a partir da cultura, das referências dos grupos sociais. Ao mesmo tempo, essa compreensão dinâmica das representações aponta para a mudança, na medida em que, não sendo naturais, as representações são mutáveis, cambiáveis e potencialmente transformadoras. Os estudos de representação são hoje uma interessante referência para pensarmos a relação do jovem com o mundo do trabalho e da profissão, na medida em que revelam não somente aquilo que se declara, mas principalmente as imagens sociais das profissões e do trabalho e os conflitos presentes nas representações sobre a relação educação-trabalho.
• os estudos sobre preconceito são ainda uma importante contribuição, porque indicam a forma como valores sociais estão relacionados a visões hierarquizadas de homem, de cultura e sociedade; de como essas visões, de caráter eugenista, conformam o modo como compreendemos a nós mesmos e ao outro, e como determinadas diferenças são socialmente indicadoras de rebaixamento social e discriminações (cor/etnia, idade, gênero, opção sexual e outras).

Não restam dúvidas de que essas duas áreas fornecem significativas ferramentas para que os jovens compreendam seu “lugar” na sociedade e na cultura, relativizem concepções ideologicamente orientadas, naturalizações e preconceitos que cercam sua existência.

Outro aspecto importante a salientar refere-se ao ensino e suas possibilidades. A produção de conhecimentos na área de Psicologia da Aprendizagem nos mostrou a importância do sujeito no seu processo de aprendizagem, e da necessidade de construirmos métodos e estratégias ativos de apreensão e produção de conhecimentos.

Os conteúdos que ensinamos não se desvinculam das formas como ensinamos, pois estas estão imbricadas nas práticas pedagógicas. Portanto, ensinar Psicologia implica superar a estratégia expositiva, na busca de estratégias dialógicas e ativas de construção compartilhada de conceitos e sentidos.

A Licenciatura em Psicologia: novos desafios

Ao defendermos a volta da Psicologia ao Ensino Médio regular, um desafio se impõe: pensarmos a retomada e fortalecimento dos cursos de Licenciatura em Psicologia.

As Diretrizes Curriculares para a Formação em Psicologia, embora não apresentem impedimentos à oferta das Licenciaturas, organizam os conhecimentos específicos em ênfases, e essa forma de organização precisa ser compatibilizada com as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores.

A necessidade de compatibilização entre esses dois referenciais, se por um lado apresenta-se como um grande desafio, por outro mostra um potencial formador relevante, já que permite aproximar o futuro psicólogo e professor de psicologia das questões envolvendo as políticas educativas, os sistemas, orientações curriculares e outras dimensões do processo educativo, fundamentais para a compreensão dos processos psicológicos no contexto educacional/escolar.

Essa é uma tarefa que se impõe no momento, para que possamos consolidar esse movimento: o estudo das possibilidades curriculares para a licenciatura em psicologia; a adesão das instituições formadoras a esse projeto.

Ações das entidades na luta pela Psicologia no Ensino Médio

É histórica a luta pela presença da Psicologia como componente curricular obrigatório no Ensino Médio, que nos remete aos anos 80 e à retomada da democracia no Brasil. Mesmo que de forma flutuante e distinta nas várias regiões brasileiras, esta luta sempre esteve presente e gerou conteúdos e pesquisas.

Nos últimos anos, esse movimento ganhou força com a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia – ABEP e o envolvimento do Conselho Federal de Psicologia – CFP, que junto com outras entidades do Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira – FENPB têm assumido papel importante na condução do tema. Participação importante também tem sido realizada por Conselhos Regionais, Sindicatos dos Psicólogos e por professores e alunos nos diferentes estados, como é o caso de São Paulo, que vem atuando fortemente nesta luta.

As entidades têm mantido constante diálogo com as instâncias políticas e representativas, buscando consolidar o projeto da nossa Psicologia, como anunciado em texto do Sistema Conselhos sobre o ano da educação, ‘respaldada nos princípios do compromisso social, dos direitos humanos e do respeito à diversidade enquanto fundamento para uma efetiva inclusão social’.

O grande desafio que se impõe a todos nós, psicólogos, professores e estudantes de psicologia, é fortalecer essa luta, mostrar nossa legitimidade e relevância no contexto da formação dos adolescentes e jovens brasileiros, narrar nossas experiências de formação nesta etapa da escolaridade e aproximarmo-nos, nas distintas regiões e realidades brasileiras, por meio dessas experiências.

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