Eixo Temático 3:
Psicologia e Instituições Escolares e Educacionais
Inclui temas oriundos de práticas desenvolvidas
por psicólogos em instituições escolares e educacionais, nos seus diversos
contextos formais ou informais. Envolve a atuação do psicólogo junto aos
alunos, suas famílias, educadores e demais profissionais ligados à educação
que recorreram à Psicologia como forma de contribuir para que a escola
ou instituição educacional seja um espaço democrático de acesso ao saber
culturalmente instituído e da produção de novos saberes.
EIXO 3 – TEXTO BASE:
Psicologia em Instituições Escolares e Educativas: Apontamentos para um
Debate
Raquel Guzzo(13)
A presença do psicólogo em instituições escolares
e educativas, servindo à construção de melhores possibilidades de desenvolvimento
das crianças e adolescentes no Brasil, vem sendo há décadas motivo de
debates em diferentes espaços de decisões, tanto científicas quanto profissionais.
A produção de conhecimento que pode propiciar a prática de acompanhamento
integral à criança e sua família ao lado do professor torna-se inócua
em situações em que o profissional da psicologia não esteja presente no
cotidiano das instituições. Dito de outra forma, o conhecimento produzido
pela psicologia para a atuação em contextos educativos somente servirá
para a realidade brasileira se for construído pela inserção dos profissionais
nestes contextos.
13. Psicóloga, Doutora em Psicologia
Escolar e do desenvolvimento humano, Professora da Pontifica Universidade
Católica de Campinas, São Paulo.
A formação cada vez maior de psicólogos no país,
ainda preponderantemente para a atuação clínica, dificulta a inserção
efetiva do profissional nestes espaços e acaba por impedir que a relação
– teoria e prática – deixe de produzir avanços para a realidade de uma
maioria de crianças e adolescentes que vivem sua escolaridade na rede
pública.
O Sistema Conselhos de Psicologia toma a iniciativa
de provocar um debate nacional sobre esta temática com a finalidade de
pensar, formular e propor referências para este espaço de exercício profissional
e, ao mesmo tempo, criar possibilidades de transformação da realidade
pela mudança estrutural das escolas públicas brasileiras. Esta iniciativa
parte do debate sobre este texto, que tem o objetivo de situar a psicologia
brasileira no contexto educativo, identificar alguns de seus problemas
e apontar posições e possibilidades para que esta iniciativa resulte em
uma ferramenta de transformação social. Por isso, de forma bastante resumida,
este texto está estruturado em alguns eixos:
1. O papel do psicólogo em contextos educativos –
para que serve este profissional?
Os contextos educativos são espaços onde crianças
e adolescentes deveriam se desenvolver de maneira formal ou não, livre
ou organizadamente, na presença de adultos responsáveis ou em interação
com outras crianças e adolescentes. Este processo é permeado por diferentes
influências e condições objetivas nem sempre identificadas e trabalhadas
pelos professores, sobretudo pela situação precarizada da escola – muitas
crianças por sala, método generalizado de ensino, falta de acompanhamento
individualizado, ausência de técnicos, dentre outras – que acabam por
produzir sérios problemas.
A presença do profissional de psicologia nestes
contextos propicia o acompanhamento do desenvolvimento de crianças e adolescentes
em seus espaços de vida, procurando relacionar elementos dos diferentes
contextos, como familiares ou comunitários que favorecem ou dificultam
este processo. Trata-se de um papel relevante, na medida em que estando
inserido na dinâmica do contexto, pode contribuir para construir um entendimento
mais integrado sobre o que acontece com a criança e sua família. Tem sido
muito difícil programar qualquer intervenção com os problemas gerados
nos contextos educativos quando se avalia a situação sem estar participando
do cotidiano destes espaços. Pertencer ao quadro de profissionais das
escolas e outros espaços não-formais de educação coloca para o psicólogo
um outro nível de exigência profissional que nem sempre tem sido desenvolvido
na sua própria formação. O papel de diagnosticar e encaminhar ou tratar,
caso a caso, em um modelo de atuação que prioriza o indivíduo isolado
de seu contexto de desenvolvimento, traz conseqüências desastrosas na
satisfação das necessidades da população em relação a este serviço, sejam
professores, equipe de direção da escola pais ou estudantes.
Muito se tem questionado sobre a importância do
psicólogo no contexto educativo, com argumentos de que o psicólogo é profissional
da saúde e, portanto, deve se alocar em espaços da saúde e não educativos,
que a escola é de educadores, que não há recursos na Educação para contratar
mais técnicos, que os psicólogos atrapalham o trabalho dos professores
e orientadores educacionais e pedagógicos, dentre outros. Há diferentes
fundamentos para estes questionamentos. Alguns deles contundentes se referem
diretamente ao próprio perfil de formação do profissional: 1) os psicólogos
não sabem como agir nas escolas, seja porque não aprenderam ou não vivenciaram
esta realidade em seu tempo de formação, seja porque diante de uma realidade
difícil e bastante complexa, os conhecimentos psicológicos e ferramentas
profissionais têm pouco a contribuir – a psicologia tem servido à uma
realidade que não dá conta dos problemas sociais presentes em uma sociedade
como a nossa; 2) a população espera do profissional de psicologia – expectativa
construída ideologicamente – que ele atue no modelo médico, culpabilizando
o indivíduo pelo seu problema e tratando-o de preferência longe do seu
contexto de desenvolvimento. Outros abordam questões mais amplas ligadas
ao sentido, papel e posição política da profissão. Desde seu nascimento,
a psicologia como ciência tem se constituído ao lado de uma sociedade
dominante – capitalista e burguesa. Pensar, portanto, em uma psicologia
que se construa como elemento de uma parcela excluída da população, oprimida
e explorada exige dos profissionais um tempo de questionamento sem efetivas
respostas em uma prática que se consome em meio a tragédias e barbáries.
Por esta razão, pensar politicamente o sentido e o papel do psicólogo
em contextos educacionais é uma tarefa de imensa importância que não somente
deve afetar a posição dos profissionais nos postos de trabalho, mas, prioritariamente,
contribuir para o avanço da construção de uma ciência e uma profissão
comprometida com as massas.
2. O desenvolvimento desta área de atuação no Brasil
– dificuldades e perspectivas
A história da Psicologia no contexto educacional
no Brasil ainda não foi totalmente escrita. Há trabalhos que descrevem
eventos, nem sempre associados a uma cronologia política que marca nossa
história e conseqüentemente nossa profissão. Sob o lema “separar para
dominar” o legado da ditadura militar trouxe para nós psicólogos a falsa
idéia de que nossa profissão estaria mais protegida e avançaria em gênero,
número e grau dentro do modelo de formação e atuação clínica, até porque
certas práticas profissionais e conceitos psicossociais e comunitários,
políticos, portanto, estariam associados a este tempo, como uma prática
subversiva a qual deveria ser expurgada da sociedade brasileira. Assim,
pouco mais de 4 anos de regulamentação da profissão já eram vistas, no
cenário brasileiro, as mais nefastas conseqüências para a formação e atuação
profissional. Com muito esforço de poucos, a semente revolucionária da
psicologia não desapareceu por completo. A psicologia social, comunitária,
política e escolar, e outras áreas mais novas, contudo também voltadas
para o entendimento do sujeito psicológico em contexto histórico e social,
refletem hoje a necessidade de uma radicalização na área, sobretudo na
formulação de diretrizes de formação profissional e abertura de campos
de trabalho que se voltem para as maiorias. Este desafio ainda não foi
cumprido. Dados oficiais que retratam o perfil do psicólogo brasileiro
mostram o conservadorismo da profissão, seu posicionamento apolítico e
a quase total inoperância diante dos problemas sociais vividos pela população
brasileira. O consultório particular, o atendimento individualizado, e
a idéia de que o problema é centrado no individuo e não focado nos seus
contextos imediatos e mediados de relações, ainda são a marca da profissão
e da área do conhecimento.
Com estas dificuldades, nossos limites se acentuam.
Não estamos nas redes públicas de educação, a não ser em raríssimas exceções
e de forma ainda bastante precarizada. Não conhecemos a fundo as políticas
educacionais que despencam sobre o teto das escolas de forma absolutamente
autoritária e que têm impactos evidentes sobre professores, gestores e
comunidade de pais e estudantes. Não participamos dos fóruns políticos
em que a comunidade de educadores em esforço vigilante, porém com desgastes
enormes, empreendem para a tentativa de melhorar a dinâmica destes espaços.
Não participamos, enfim da vida que pulsa dentro dos espaços educativos.
Isto tem uma conseqüência – mantemos o ciclo de formação e profissionalização
dos psicólogos fora destes espaços de trabalho!
3. As possibilidades de mudança
O processo de inserção dos psicólogos nas redes
de ensino, especialmente municipais e estaduais, tem se caracterizado
por avanços e retrocessos. Há municípios e estados que já incluíram o
profissional na equipe da escola e podem, com mais propriedade, contribuir
para uma avaliação desta inserção. Apesar disso, ainda tem sido difícil
congregar educadores, psicólogos e comunidade para um debate sobre o que
vem sendo o trabalho neste campo.
É preciso que uma avaliação profunda destas experiências
transpareça para a rede de ensino e aponte os caminhos mais contundentes
para este exercício profissional no sentido de construir uma nova sociedade
por meio de uma transformação radical.
Para que isso seja possível, é preciso buscar fundamentos
críticos para a construção de um conhecimento psicológico comprometido
com a realidade da escola brasileira, avaliar dimensões psicossociais
de comunidades e indivíduos em situados historicamente, compreender as
redes de apoio, suportes e equipamentos públicos e privados que sustentam
as ações comunitárias e a dinâmica dos movimentos sociais presentes em
determinados espaços geográficos – quem são e como vivem estudantes, professores,
pais e gestores das instituições de ensino e sua comunidade. Sem um conhecimento
profundo e fundado na realidade qualquer intervenção resultará na manutenção
do estado das coisas e revelará a cada dia um antagonismo crescente sobre
a presença do psicólogo nas escolas.
Caminhando na direção da transformação social
A idéia de que caminhamos na direção da transformação
social vem da constatação de que a história da humanidade tem sido construída
em bases sociais e econômicas anti-humanitárias. Enquanto pensamos em
cuidar do desenvolvimento de crianças e adolescentes para que possam viver
em paz e com saúde, precisamos incluir nesta proposta a compreensão de
que pouco adianta uma ação que não leve em conta, o contexto político
e social em que estas crianças se desenvolvem.
A compreensão, portanto, da história do capitalismo
como sistema econômico que determina a qualidade de relações sociais,
que tem profundos impactos na produção e distribuição de riqueza, na ocupação
do solo, na conservação do meio ambiente e dos recursos naturais, na produção
da miséria e da desigualdade social, na formulação de políticas sociais
e na manutenção dos direitos fundamentais para a vida em sociedade, como
educação, saúde, habitação e trabalho, passou a integrar as questões essenciais
de formação dos psicólogos para atuarem nestes contextos psicossociais.
Não há como desenvolver a cidadania, prevenir e
proteger o desenvolvimento de crianças e adolescentes em um sistema que,
pela sua estrutura não permite o direito à igualdade e à liberdade, portanto
nossa posição, a partir desta constatação torna-se extremamente vulnerável,
se não construirmos um modelo teórico e prático que estabeleça a relação
possível da psicologia com o desenvolvimento da consciência que torna
o sujeito ativo em sua própria história. Diante disso, uma análise da
realidade concreta, do modo de viver capitalista traz uma dimensão de
importância para o conhecimento dos contextos onde crianças, adolescentes
e suas famílias vivem.
A Psicologia como ciência e profissão esteve por
muito tempo, desde sua origem até hoje, a serviço de um projeto político
de sociedade e que, se quisermos, de fato, contribuir para a transformação
social será preciso reescrever, redefinir, reconstruir fundamentos e ações
profissionais a partir de uma perspectiva crítica, silenciada por interesses
dominantes de um imperialismo cultural que nos impõe uma formação profissional
desprovida de reflexão e análise da realidade, mantida por reprodução
mimética de técnicas que pouco contribuem para fazer avançar os propósitos
de desenvolvimento pessoal e social na direção da libertação e da emancipação.
Diante desta constatação, cada vez mais evidente
seja pela inserção do psicólogo em contextos educativos e comunitários
ou pelas dificuldades presentes nos processos de construção de efetivas
propostas de prevenção e que provoquem mudanças sociais, o caminho a ser
percorrido passa a ser, prioritariamente, aquele que compreende o ser
humano como constituído a partir de sua condição social e histórica.
Esta maneira de pensar caminhos para a mudança
social assume uma perspectiva materialista da realidade, em que a vida
é síntese das condições criadas pelos homens e não somente daquelas existentes
na natureza. O desenvolvimento de ações transformadoras, tanto no plano
pessoal quanto coletivo, está intrinsecamente ligado à análise da realidade
em sua totalidade concreta.
Alguns indicadores mostram que, no mundo, têm se
acentuado grandes diferenças entre ricos e pobres, entre aqueles que possuem
os meios de produção e outros que vivem na miséria, entre os que acumulam
riquezas e os que mendigam o que comer entre os que trabalham para construir
as riquezas sem desfrutar delas e os que concentram as riquezas produzidas
explorando o trabalho de outros. A desigualdade pode ser evidenciada por
meio de diferentes indicadores. No entanto, pouco adianta um conjunto
de índices numéricos, se a análise sobre como estes elementos atingem
a vida dos indivíduos concretos não é realizada.
A questão que se coloca para o trabalho do psicólogo
está relacionada ao sofrimento de pessoas e grupos, manifesto por respostas
de violência, sentimentos de impotência, fatalismo e alienação diante
de mecanismos de exploração e opressão que, sob diferentes formas, estão
presentes e nem sempre percebidos no cotidiano, também da escola.
Por esta razão, pensar a psicologia como uma ferramenta
para o fortalecimento de pessoas e grupos, e a Psicologia Escolar como
alternativa para a compreensão dos processos psicossociais presentes no
contexto educativo, são propostas que ajudarão a construir os processos
de transformação qualitativa da escola, na promoção do bem-estar das pessoas
e comunidades.